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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O DINHEIRO

Era um paraibano baixote, míope desde moço, encheu de compostura a vida nacional. Formou-se em Recife, em 1908, com os piauienses Simplício Mendes e Arimathéa Tito. Parece que chegou a residir com os dois na mesma "república" de estudante; pelo menos é certo que foi companheiro de quarto de Arimathéia. Formado, José Américo achou fascinante a vida política, e nela ingressou. Ei-lo, em 1930, como um dos chefes civis do movimento revolucionário que derribou Washington Luís, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e entregou o governo da República a Getúlio Vargas, de quem foi ministro da Viação, um grande ministro, voltado para os graves problemas do Nordeste. Enfrentou a terrível seca de 1932. Impôs-se à admiração do país, pelo trabalho, pela sinceridade, pela inatacável honestidade.

O esforço gigantesco como ministro, a linguagem franca de que se utilizava para o debate dos problemas políticos e administrativos, os brados de revolta contra o atraso da terra e a penúria do homem, a bravura com que desafiava os maus, a consagração do romancista de A Bagaceira - tudo isto lhe valeu imensa popularidade, na Paraíba como no Brasil.

A Bagaceira deu a José Américo uma posição invejável no cenário da literatura brasileira. Consentiu o autor em que o livro "é a tragédia da própria realidade". Livro violento, que agasalhou "almas semibárbaras pela violência dos instintos". O escritor interpreta essas almas sem artificialismo, nuamente, para não suprimir delas a grandeza: "Seria tirar-lhe a própria alma".

Romance do sofrimento do homem na terra escaldante - A Bagaceira também constitui um romance de amor, "concessão lírica ao clima e à raça", como diz José Américo - "problema de moralidade com o preconceito da vingança privada", da forma que ele define as paixões brutais do sertão.

Em 1937, arregimentam-se os políticos. Campanha eleitoral a vista. Eleições presidenciais marcadas para 3 de janeiro de 1938. Plínio Salgado, chefe do Integralismo (camisas verdes), candidata-se. Também se candidata Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, político de grande conceito e prestígio. Getúlio manda que seus partidários apresentem José Américo como candidato oficial. O lançamento é feito por Benedito Valadares, governador de Minas. O paraibano aceita o encargo. Ganha as ruas, as cidades, pregando idéias, defendendo ideais.

Veio o golpe de Getúlio no dia 10 de novembro de 1937. Fechamento do Congresso Nacional. Prisão de adversários. Liquidação dos partidos políticos. Ostracismo para José Américo.

O paraibano tem sete fôlegos. Corajosamente, dia 22 de fevereiro de 1945, decreta, numa entrevista dada a Carlos Lacerda, a queda do regime getuliano.

Conheci José Américo em 1933, quando ele numa comitiva de Getúlio Vargas esteve no Piauí. Fez questão de visitar meu pai, seu antigo colega na Faculdade do Recife, na casa onde morávamos, modesta, na rua Eliseu Martins. Depois, ele, senador, em 1964, no Rio, visitei-o. Simples, afável, incentivador.

Nunca me esqueço de um dos seus dizeres lapidares num discurso político, campanha presidencial de 1937, quando analisava realidade brasileira:

- Eu sei onde está o dinheiro para o soerguimento do Brasil.

Hoje também eu sei onde está o dinheiro depois que, já maduro, compreendi a mensagem de José Américo.


A. Tito Filho, 26/09/1990, Jornal O Dia

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