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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

OUTRA NARRATIVA

Escrevi outro dia sobre Josípio Lustosa, jornalista da velha guarda, falecido neste último fevereiro. Certo dia ele me procurou para tratar do caso de um amigo, o capitão ou major Elesbão Soares, que o governo havia expulsado da Polícia Militar do Piauí. Eu conhecia esse oficial de nome, mas passei a conhecê-lo na primeira conversa que mantivemos. Aceitei-lhe a questão, e buscaria reparação no Poder Judiciário. O ato de expulsão, com base em inquérito foi de autoria do governador. Com o correr dos meses, analisei bem a personalidade de Elesbão. Homem franco, inteligente, audaz. Sacrificava às vezes a carreira militar por virtude de rara teimosia da defesa das suas idéias. Sempre o via alegre, a modo de quem não guardava mágoa, disposto a enfrentar dificuldades e vicissitudes. Aprecieio-o nessas virtudes pouco cultivadas pelos fracos. Só os fortes as abrigam para a formação de uma personalidade respeitada.

Requeri mandado de segurança ao Tribunal de Justiça do Piauí. Perdi de 8 a 1 ou 7 a 2, não me recordo bem. Levei surra feia, que eu esperava, confiante em que ri melhor quem ri por último.

Uma triste e vergonhosa realidade o Tribunal do meu tempo de advocacia. Raríssimos desembargadores mantinham independência no exercício das funções. Quase todos atrelados ao Executivo, do qual, cada um, recebia benesses, empregos, prestígio, à custa de uma magistratura débil e praticamente desfalecida, na sua maior quantidade.

Como advogado, as minhas petições eram curtas e simples. Sempre desprezei os tolos latinismos, que concediam diplomas de sabedoria aos tolos, aos que apreciavam arrotos de erudição. Também não me servia de doutrinações e de jurisprudências. Achava que as leis ofereciam a lógica das cousas, sim, a lógica, pois meu inesquecível mestre de direito internacional no Rio, Haroldo Valadão, me havia ensinado, em aula, que o direito está onde estiver a lógica. Procurava escrever com clareza, linguagem clara, sem rebuscamentos ou expressões rococós, seguro do espírito das normas jurídicas.

Bati às portas do Supremo Tribunal Federal, a tábua de salvação contra o faccionismo do Tribunal do Piauí. Que aleguei? Não me era possível ingressar no mérito das razões governamentais, de acordo com os mandamentos do poder militarizado. Poderia alegar somente ofensa a princípios extrínsecos. Quais? A Constituição Federal lecionava que a expulsão de oficial das forças armadas das fileiras respectivas só se efetivaria por decisão judiciária de que não houvesse mais recurso. A mesma Carta Magna equiparava as polícias militares estaduais às forças armadas, logo só o judiciário tinha a prerrogativa de decretar a expulsão. Ganhei a questão por unanimidade do mais alto colegiado da justiça brasileira. Elesbão voltou à tropa com direito integral, inclusive às promoções.

Advogado humilde, modesto, sem propaganda, sem proteção, fui vitorioso nos casos mais importantes que se levaram a Justiça - assim como o dos professores exonerados por Chagas Rodrigues e outros do mesmo tope.


A. Tito Filho, 01/04/1990, Jornal O Dia

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