Escrevi outro dia sobre Josípio Lustosa, jornalista da velha guarda, falecido neste último fevereiro. Certo dia ele me procurou para tratar do caso de um amigo, o capitão ou major Elesbão Soares, que o governo havia expulsado da Polícia Militar do Piauí. Eu conhecia esse oficial de nome, mas passei a conhecê-lo na primeira conversa que mantivemos. Aceitei-lhe a questão, e buscaria reparação no Poder Judiciário. O ato de expulsão, com base em inquérito foi de autoria do governador. Com o correr dos meses, analisei bem a personalidade de Elesbão. Homem franco, inteligente, audaz. Sacrificava às vezes a carreira militar por virtude de rara teimosia da defesa das suas idéias. Sempre o via alegre, a modo de quem não guardava mágoa, disposto a enfrentar dificuldades e vicissitudes. Aprecieio-o nessas virtudes pouco cultivadas pelos fracos. Só os fortes as abrigam para a formação de uma personalidade respeitada.
Requeri mandado de segurança ao Tribunal de Justiça do Piauí. Perdi de 8 a 1 ou 7 a 2, não me recordo bem. Levei surra feia, que eu esperava, confiante em que ri melhor quem ri por último.
Uma triste e vergonhosa realidade o Tribunal do meu tempo de advocacia. Raríssimos desembargadores mantinham independência no exercício das funções. Quase todos atrelados ao Executivo, do qual, cada um, recebia benesses, empregos, prestígio, à custa de uma magistratura débil e praticamente desfalecida, na sua maior quantidade.
Como advogado, as minhas petições eram curtas e simples. Sempre desprezei os tolos latinismos, que concediam diplomas de sabedoria aos tolos, aos que apreciavam arrotos de erudição. Também não me servia de doutrinações e de jurisprudências. Achava que as leis ofereciam a lógica das cousas, sim, a lógica, pois meu inesquecível mestre de direito internacional no Rio, Haroldo Valadão, me havia ensinado, em aula, que o direito está onde estiver a lógica. Procurava escrever com clareza, linguagem clara, sem rebuscamentos ou expressões rococós, seguro do espírito das normas jurídicas.
Bati às portas do Supremo Tribunal Federal, a tábua de salvação contra o faccionismo do Tribunal do Piauí. Que aleguei? Não me era possível ingressar no mérito das razões governamentais, de acordo com os mandamentos do poder militarizado. Poderia alegar somente ofensa a princípios extrínsecos. Quais? A Constituição Federal lecionava que a expulsão de oficial das forças armadas das fileiras respectivas só se efetivaria por decisão judiciária de que não houvesse mais recurso. A mesma Carta Magna equiparava as polícias militares estaduais às forças armadas, logo só o judiciário tinha a prerrogativa de decretar a expulsão. Ganhei a questão por unanimidade do mais alto colegiado da justiça brasileira. Elesbão voltou à tropa com direito integral, inclusive às promoções.
Advogado humilde, modesto, sem propaganda, sem proteção, fui vitorioso nos casos mais importantes que se levaram a Justiça - assim como o dos professores exonerados por Chagas Rodrigues e outros do mesmo tope.
A. Tito Filho, 01/04/1990, Jornal O Dia
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