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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ÚLTIMO DOS MOICANOS

Faz poucos dias revi na televisão o filme O ÚLTIMO DOS MOICANOS, que eu havia visto cinqüenta anos passados, com um dos artistas mais populares do seu tempo, Randolph Scott, ídolo da meninada nas aventuras do velho oeste norte-americano. A história foi escrita por James Fenimore Cooper, o mesmo que deu à literatura dos Estados Unidos obras como "Os Pioneiros", "O Espião", e outros romances que li sobre lutas e caracteres humanos.

Cooper era historiador meticuloso. Criou tipos fictícios, mas fiéis à vida das comunidades do tempo em que viveu. Dele "A Pradaria", cuja ação se passa na região do búfalo. O homem íntegro se forma pela natureza e não pelos livros, como ensina o escritor. Aprendi muito do faroeste em Cooper, que glorificou a vida ao ar livre e fez da simplicidade um ritual.

Era bom. Naquele tempo, quando eu, molecote cheio de vida, recebia de meu pai dois mil réis todos os domingos, meu ganho semanal. Na rua Simplício Mendes, no trecho da rua Lisandro Nogueira à praça Rio Branco, meio do quarteirão, estava o cinema Royal, de segunda classe. Exibia muito filme de caubói, com sessões iniciadas pelas seis e meia da tarde. Salãozão comprido, bancos de madeira sem encosto dos dois lados e a passagem dos freqüentadores pelo meio. Eu gostava das aventuras espetaculares dos artistas que sempre venciam os bandidos covardes. Também havia os seriados. Seis semanas seguidas, cada semana um pedaço da estória, e o jeito que se aguardasse, curioso, a continuação no domingo seguinte.

Dois mil réis de meu pai valiam alguma cousa. A entrada do cinema saia por seis contos réis. Na saída do espetáculo, a gente dava duzentos réis por quatro cigarros marca Regência, comprava cinco bolos fritos por cem réis (um tostão *) o resto dos bagarotes para um sorvete ou um copo de refresco de gelo rapado.

No velho Royal trabalhavam os meus ídolos mais impressionantes, entre os quais Buch Jones, Tom Mix, Tim McCoy. Entusiasmavam-se as aventuras, a pontaria certeira dos caubóis. Só hoje, depois de muita leitura, pude compreender as fantasias que o cinema me mostrava na época da saudosa adolescência. Os feudos. O reino do gado. O mundo selvagem duro com os fracos. Os fortes cuja vida dependia da faca e do revólver. OS SALOONS de violência. Um mundo de libertação explosiva e derivativa do jogo e das bebedeiras desenfreadas como substitutos da mulher.

Lei da pistola sobre o balcão da bebida e sobre a mesa do jogo. Violência do índio contra o branco e vice-versa. Índio bom é índio morto, diziam os homens do oeste brutal. tudo um excesso de vitalidade. Álcool, pôquer, matança profissionais, a lei do Colt, num mundo de apetites sexuais sem que houvesse mulheres. Daí o mito das fêmeas raríssimas.

A tribo dos moicanos deu a Cooper o motivo do romance que eu revi agora, no mesmo filme de cinqüenta anos passados. O mesmo Randolph Scott, herói de minha adolescência risonha e feliz, o Scott altão, esguio, tiro certeiro, defensor dos fracos, punidor dos malvados. Lembrei-me dos tempos nos grosseiros assentos de pau no saudoso cinema Royal de Teresina, casa de segunda ou terceira classe, onde a molecada se divertia, assobiando nos momentos de perigo. Não pude esquecer a moeda valiosa que meu pai me dava e que me proporcionava alegrias sem conta, época bendita em que ninguém ouvia a palavra dólar na tranqüila e pitoresca Teresina.


A. Tito Filho, 04/11/1990, Jornal O Dia


* Palavras apagadas no original

JULGAMENTO

O ministro da Agricultura, Iris Resende, enviou à Academia Piauiense de Letras a seguinte mensagem:

"Impossibilitado de comparecer à sessão solene em que a histórica Academia Piauiense de Letras empossa o ilustre escritor João Emílio Falcão Costa Filho em sua Cadeira 26, tendo como Patrono o escritor Simplício Resende e o exemplo de sua vocação, tomo a liberdade de daqui enviar a minha congratulação à Casa e aos seus dignos integrantes.

Conheci João Emílio Falcão em Brasília e logo notei uma personalidade singular em sua atividade de jornalista.

Dono de uma marca extremamente pessoal de trabalho, é um jornalista sempre inquieto e curioso, permanentemente contemplando o mundo à sua volta a preocupação de consertar o que não está correto.

Com seu estilo próprio, sabe ser sarcástico em suas crônicas no jornal quando a situação o exige, implacável nas suas perguntas como entrevistador na televisão quando defende o bem comum, mas também um homem extremamente generoso.

Falcão, como jornalista, convive em altas rodas de poder participando de discussões e confabulações da política nacional, mas não se ilude em relação a realidade.

Com muita argúcia, sabe distinguir o mundo real do mundo dos poderosos e, ao mesmo tempo, não perde a atenção sobre problemas que acontecem por toda parte, por mínimos que sejam.

Enquanto discute os mais altos problemas da República, Falcão não esquece o humilde brasileiro que, no ponto mais remoto do território nacional, enfrenta um problema qualquer, como o pequeno agricultor às voltas com a necessidade de sobreviver.

Verifiquei mais tarde que esse é o universo do escritor João Emílio Falcão, com a mesma inquietação, curiosidade, preocupação, argúcia, espontaneidade e generosidade.

Com a mesma marca pessoal, o escritor Falcão revira o mundo da ficção em busca de contribuições concretas para a justiça social, que vão além das preocupações estéticas de um artista, sempre sem perder qualidades eminentemente literárias.

É comovente a preocupação do escritor com as misérias e os pobres coitados que se perdem no interior deste Brasil imenso, relegados pelas elites pensantes e administrativas, mas que, na realidade, constituem a grande massa que, muitas vezes anonimamente, faz o Brasil, o Brasil real.

A posse de João Emílio Falcão como membro da Academia Piauiense de Letras é, evidentemente, o reconhecimento definitivo dos valores do escritor, que em cenário tão ilustre passa a ter mais espaço para o seu trabalho e suas inquietações de cada dia, além de valorizá-lo com a sua presença.

Estou certo que, com esta posse, a imortal Academia, o grande escritor e todo o Piauí avançam mais ainda na unidade entre todos, na identificação da obra que constroem e no aprofundamento de seus compromisso com as artes, o pensamento crítico e o mundo que nos envolve".


A. Tito Filho, 03/03/1990, Jornal O Dia

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

REVOLUÇÃO - 1964

A revolução de março de 1964, através do Ato Institucional nº 1, fixou eleição direta. Posteriormente, em julho, o Congresso aprovou a modalidade, e foi adiante: exigiu maioria absoluta. Se nenhum candidato a obtivesse, o Congresso examinaria o nome do mais votado, podendo aprová-lo (estaria eleito) ou rejeitá-lo - e neste caso o povo seria novamente convocado para manifestar-se entre os dois mais votados. Mas o Ato Institucional nº 1 abriu exceção no caso do substituto do Sr. João Goulart, proclamando ainda o voto descoberto - e assim, indiretamente, pelo Congresso, com votação nominal, foi eleito o marechal Castelo Branco, cujo mandato foi ao depois prorrogado.

Novo Ato Institucional admitiu eleição indireta, a descoberto, para escolha do substituto de Castelo Branco - e só do substituto - princípio a que se submeteu o nome do marechal Costa e Silva, eleito pelo Congresso.

A Constituição de 1967 assentou o princípio da eleição presidencial indireta - e indiretamente foram eleitos os presidentes Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

Recorde-se que Getúlio, na Constituição outorgada de 1937, assentou que a eleição seria direta se o presidente se valesse de prerrogativa de indicar o seu sucessor.

Em resumo: 21 eleições presidenciais no Brasil. Quinze por eleições diretas do presidente: Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Hermes da Fonseca, Wenceslau Brás, Rodrigues Alves (2ª vez), Epitácio Pessoa, Eurico Dutra, Getúlio Vargas (1950), Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros. Seis eleitos indiretamente, pelo Congresso: Deodoro, Getúlio Vargas (1934), Castelo Branco, Costa E Silva, Emílio Médici e Ernesto Geisel.

Dos eleitos diretamente, não completaram os mandatos: Afonso Pena (falecimento), Washington Luís (deposto), Getúlio Vargas (suicídio) e Jânio Quadros (renúncia). Não chegaram a assumir: Rodrigues Alves, 2ª eleição (doença e morte) e Júlio Prestes (impedido pela revolução de 1930).

Dos eleitos indiretamente, não completaram os mandatos: Deodoro (renúncia) e Costa e Silva (doença e morte). Tiveram os mandatos prorrogados: Getúlio Vargas (golpe de 1937), Castelo Branco (pelo Congresso) e Emílio Médici (emenda constitucional).

Eleitos para substituir o presidente doente, falecido ou deposto: Epitácio Pessoa (Rodrigues Alves), Castelo Branco (João Goulart) e Emílio Médici (Costa e Silva).


A. Tito Filho, 03/02/1990, Jornal O Dia

HINO NACIONAL

Com a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, surgiram vários cânticos de louvor à liberdade. Um deles foi o de Francisco Manuel da Silva, que depois tornou o Hino Nacional Brasileiro. O autor não conseguiu divulgar nem executar oficialmente a música que compusera para saudar a independência da pátria.

A consagração da música de Francisco Manuel da Silva veio em 1831, quando abdicou Dom Pedro I. Era grande o descontentamento do povo relativamente ao imperador, que havia dissolvido a orquestra da Capela Imperial, suspeitando que os músicos lhe eram infiéis. E estes passaram a reunir-se num armarinho da rua Senhor dos Passos, onde se fez a letra do hino.

O hino de Francisco Manuel da Silva tomou o nome de SETE BR ABRIL, data da abdicação do imperador. Escreveu a primeira letra o poeta Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, nascido em Parnaíba, Piauí. Música e letra tocada e cantada no dia 13 de abril de 1831, quando o ex-monarca deixava o Brasil.

Com a proclamação da República adotou-se o hino nacional francês - A MARSELHESA - durante dois meses como HINO PROVISÓRIO, para comemorar o acontecimento. E surgiu a música de Ernesto Fernandes de Sousa, com letra de Medeiros e Albuquerque, enaltecendo o novo regime.

Muito se passou sem novo hino nacional. Para compô-lo foi convidado Carlos Gomes, que não aceitou o convite, alegando que a música de Francisco Manuel da Silva era de exemplar beleza. No dia 22 de novembro de 1889, o governo instituiu concurso para a música destinada ao HINO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, que deveria ser adaptada aos versos de Medeiros e Albuquerque. Apresentaram-se vinte e nove compositores. Mas a imprensa fazia campanha em favor da música de Francisco Manuel da Silva.


A. Tito Filho, 18/01/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

ADMINISTRAÇÃO DE TERESINA

A 26 de dezembro de 1889, Gregório Taumaturgo de Azevedo assume o cargo de governador do Piauí. No ano seguinte, 20 de janeiro de 1890, baixou ato, cada município, os conselhos de inteligência municipal. Para o de Teresina foram nomeados os seguintes membros: João da Cruz e Santos, barão de Uruçuí (presidente), capitão Mariano Gil Castelo Branco, barão de Castelo Branco; Teodoro Alves Pacheco, Simplício Coelho de Resende, cônego Tomás de morais Rego e capitão José Antônio de Santana, ao todo 6 conselheiros. O segundo presidente foi o barão de Castelo Branco.

O Conselho adotou iniciativa de alterar denominações de vias públicas e de administrar os cemitérios, retirando-se da Santa Casa de Misericórdia. Também houve substituição de conselheiros.

*   *   *

Dia 4 de junho de 1890, Gregório Taumaturgo de Azevedo deixou o cargo de governador. A 27 de dezembro do mesmo ano, depois de outros governantes, assume chefia do Executivo Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima, que decretou uma Constituição para o Piauí, ad referendum do congresso constituinte, que se reuniria no ano seguinte, mês de março. Nessa Carta, de 12 de janeiro de 1891, foram criados os conselhos municipais e os cargos de intendente e vice-intendente em todos os municípios.

A Constituição votada pelos deputados e promulgada a 13 de junho de 1892 manteve os dispositivos acima referidos, de modo que Teresina deveria escolher os seus dirigentes e os seus legisladores.

Mas antes que se verificassem eleições e a posse dos eleitos, o Conselho de Intendência tomou interessante deliberação, determinando que os habitantes da cidade estavam obrigados, nos dias de sábado, a varrer a frente de suas casas, até o meio da rua.

Registrem-se mais os seguintes acontecimentos: instalação do 35º Batalhão de Infantaria (Exército), o batalhão querido da cidade, que lutou no sul de 1893 a 1896 e em Canudos (BA), onde, de 498 soldados, teve 338 mortos. Em janeiro de 1900 esse admirável corpo de heróis foi transferido para São Luís. No ano de 1891, o Piauí criou a sua primeira loteria (a atual apareceu no governo Chagas Rodrigues) e instalou no Tribunal de Justiça, composto de 5 membros.

A iniciativa particular foi de pouca monta em 1890: criação do Clube dos Artistas (já desaparecido) e do Instituto de Karnak, estabelecimento de ensino secundário, com internato e externato. Fundador: Gabriel Luís Ferreira. Esse órgão educacional já desapareceu.

*   *   *

O primeiro pleito para a escolha dos administradores e legisladores de Teresina se deu a 31 de outubro de 1892. Eleitos intendente e vice Manuel Raimundo da Paz e Honório Parentes, bem assim nove conselheiros municipais: Raimundo Antônio de Farias, Alfredo Gentil, João José da Cunha, Raimundo Elias, Leôncio Araújo, Jardelino Amorim, Viriato do Carmo, Francisco Rabelo e Manuel Lopes Correia Lima.


A. Tito Filho, 18/02/1990, Jornal O Dia

domingo, 23 de outubro de 2011

IMITAÇÃO

No Brasil se vem praticando a brincadeira denominada HALLOWEEN, assim definida pela gente norte-americana: THE EVE OF ALL SAINTS' DAY, FALLING ON OCTOBER 31 AND CELEBRATED BY CHILDREN WHO GO IN COSTUME FROM DOOR TO DOOR BEGGING FOR TREATS OR PLAYING PRANKS. Brincadeira às vezes de mau gosto. Em novembro já se criou entre os brasileiros o Dia de Ação de Graças, instituído pelo presidente Eurico Dutra, cópia do THANKS GIVING DAY, comemorado cá como lá na penúltima quarta-feira de novembro quando o mês tem cinco quartas-feiras ou na última se o mês tem apenas quatro quartas-feiras.

Em 1930, Getúlio Vargas subiu ao poder. Repudiou a influência inglesa no país e se passou para os Estados Unidos, país ambicioso de riqueza, que logo, por através do cinema, realizou mudanças, para pior, nos costumes e hábitos brasileiros. Pouco a pouco dominou o Brasil nos processos culturais. Depressa o povo começou a usar os enlatados. Fecharam-se alfaiatarias e todos aderiram ao uso da roupa feita. Estabeleceu-se a moda do desnudamento feminino. O uisque substituiu nas cidades a boa pinga nacional.

Quando cheguei ao Rio, com o objetivo de estudar o curso superior, topei com uma cidade de prédios baixos. O edifício mais alto, de 20 e 22 andares, era o prédio das empresas nacionais, constituídas do jornal "A Manhã", revista "A Noite Ilustrada" e a rádio Nacional. Na principal avenida, a Rio Branco existiam prédios de cinco e seis andares, no máximo. Na avenida Atlântica, situada à beira-mar , batizada de praia de Copacabana, viam-se casas residenciais de andar térreo ou de dois pavimentos apenas.

A CIVILIZAÇÃO norte-americana transformou Copacabana numa selva de cimento armado. Surgiu a vida em apartamento, com porteiro e elevador. Liquidou-se por toda parte a tranqüilidade dos cariocas.

E o arsenal de remédios dos laboratórios estrangeiros? E o turismo, invenção norte americana para que o povo gaste na visita aos cenários alheios enfeitados, mas ainda assim iguais ou piores do os nossos?

Observe-se que o seqüestro de pessoas por bandidos, que pediam altos resgates dos rancheiros ricos, começou no oeste dos Estados Unidos, nação onde teve início também o gangsterismo urbano, da forma que o cinema estadunidense mostrou nos exemplos de Al Capone e Dillinger. Crimes brutais e violência sexual o cinema da terra de Bush apresenta aos nossos patrícios na constância dos dias e das noites. As casas comerciais de brinquedos vendem presentes representados por revólveres, tanques e quantas crianças aprendam a matar, obedientes às lições de violência de que se encontra rica a história dos Estados Unidos.

A bela língua portuguesa cada dia vai sendo suplantada pela lingua. no Brasil se fala o PORTUGUÊS.

Ao cabo das contas, a terra de Cabral imita o papai grande em tudo, numa americanização vergonhosa.


A. Tito Filho, 13/12/1990, Jornal O Dia

sábado, 22 de outubro de 2011

DIA DO PIAUÍ

Em 1937, a Assembléia Legislativa converteu projeto na lei 176, instituindo 19 de outubro como Dia do Piauí, proclamada em Parnaíba em, 1822.

Pereira da Costa, na sua célebre Cronologia Histórica do Estado do Piauí, escreveu que naquela data a vila da Parnaíba levanta o grito de independência do Piauí, e aclama o príncipe D. Pedro imperador do Brasil, sob os influxos dos patriotas João Cândido de Deus e Silva, coronel Simplício Dias da Silva, capitão Domingos Dias da Silva, José Ferreira Meireles, capitão Bernardo Antônio Saraiva, o escrivão Ângelo Costa Rosal, Bernardo de Freitas Caldas e o tenente Joaquim Timóteo de Brito, entre as mais vivas e ruidosas manifestações populares.

A notícia chegou a Oeiras, sede do governo português, e logo o comandante das armas de Portugal, João José da Cunha Fidié, seguiu com a infantaria e a artilharia para sufocar o gesto cívico, mas os patriotas haviam abandonado a vila, refugiando-se no Ceará.

Monsenhor Joaquim Chaves tem a impressão de que os independentes da Parnaíba, àquela altura dos acontecimentos, ainda não sabiam bem o que queriam. O próprio Simplício Dias afirmou: "Observo no geral aplacado o fogo que motivou aquele procedimento e no particular muito arrependidos".

Aproveitando-se da ausência de Fidié e seus soldados, Manuel de Sousa Martins, futuro Visconde da Parnaíba, a 24 de janeiro de 1823, manhãzinha, proclama a independência do Piauí e Pedro imperador do Brasil, e estabelece novo governo com a destituição das autoridades portuguesas.

O professor Wilson Brandão atribui aos gestos dos parnaibanos caráter revolucionário, mas com a notícia da próxima chegada de Fidié aos chefes revoltosos, diz ele, afligem-se, apavoram-se, acordavam-se.

Espedito Resende, embaixador do Vaticano, falecido, fala, no livro "Piauí", dos dois focos revolucionários, o de Parnaíba, mais sofisticado intelectualmente e talvez admitindo a unidade de soberania, e o de Oeiras, comandado por um homem corajoso e que se apoderou de toda máquina do governo para dominar a capital.

Odilon Nunes registrou nas suas "Pesquisas" que Parnaíba admitiu unir-se a Portugal, para que se constituísse uma confederação, restaurando-se o Reino Unido. Admite, porém, que os parnaibanos abriram caminho a Oeiras.

Até 1937, os piauienses comemoravam a independência a 24 de janeiro. Em 1923, no governo João Luís Ferreira, houve uma semana de solenidades homenageadoras do 1º centenário do gesto de Manuel de Sousa Martins. E mais, em homenagem à data foi instalada, em 1918, a Academia Piauiense de Letras, e ainda hoje o brasão do Piauí ostenta a data de 24 de janeiro de 1823. Pereira da Costa escreveu que a 31.08.1859 lei provincial determina no artigo 24 que o dia 24 de janeiro, aniversário da adesão do Piauí à independência nacional, e feriado em todas as repartições provinciais.

Em Parnaíba, onde se aquartelou, Fidié teve tempo bastante para disciplinar as tropas e receber material bélico do Maranhão. Era necessário retornar a Oeiras e retornar o governo. Dia 1/3/1823, com mais de mil homens, o chefe militar português marcha no rumo de Piracuruca (PI). Deveria Fidié alcançar Campo Maior, aonde chegou a 13.03.1823, às margens do rio Jenipapo, que seria atravessado. Terreno plano. Piauienses, cearenses e maranhenses, vaqueiros e roceiros, perto de dois mil homens, comandados por Nereu, Chaves e Alecrim, ocultaram-se no leito seco do rio, entre os arbustos. Houve os primeiros choques. Grande perda de vidas entre brasileiros, armados de velhas espingardas, facões, machados e foices. Fuzilaria e canhões portugueses varriam o campo. Os nossos caíam à boca das peças. Buscavam a morte.

O combateu durou das 9 da manhã às 2 da tarde, sob sol escaldante. Houve a retirada dos vencidos, mas Fidié não teve condições de perseguir os fugitivos.

não se sabe o número de mortos portugueses, reunidos em cinco sepulturas. Fala-se em dezesseis. Sessenta feridos. Mais de quinhentos brasileiros aprisionados e mais de duzentos entre mortos e feridos.

Tornava-se necessário que Fidié ocupasse Campo Maior, mas os adversários lhe furtaram a bagagem de guerra: armas e munições. Iniciaram-se tropelias e começaram os assassinatos de portugueses. O comandante resolveu seguir para o Estanhado, hoje União, e daí para Caxias (MA), onde, cercado, resistiu, mas acabou vencido e prisioneiro.

A luta no Piauí decidiria a unidade brasileira, pois Portugal queria dois Brasis: o do Norte para ele, rico em gado, o dinheiro do tempo, e o do Sul, ainda pobre e sem condições de abastecer-se, justamente o Brasil de que os portugueses não faziam conta.

No Sul a independência valeu um grito, aplauso e festa. No Norte, fome e peste, sangue e morte. A batalha do Jenipapo foi carnificina pavorosa.

Alberto Silva, no seu primeiro governo do Piauí, fez justiça, erguendo à memória dos heróis da sangrenta luta um monumento de extraordinária beleza cívica.

Achamos que a verdadeira independência do Brasil se verificou a 13.03.1823, às margens do rio Jenipapo, perto da cidade piauiense de Campo Maior.


A. Tito Filho, 21/10/1990, Jornal O Dia

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

NA COLÔNIA E NO IMPÉRIO

De lutas e mais lutas tem sido a história deste país. Em 1526, Cristovão Jaques já perseguia e prendia corsários. Cinco anos depois, Martin Afonso guerreava franceses e, no longínquo 1533, Pero Lopes de Sousa apresava navios de França e enforcava soldados alheios. Vieram as capitanias, regime que malogrou por virtude da indisciplina dos colonos, dos ataques dos índios e das incursões francesas. Depois, os governadores-gerais. Tomé de Sousa impediu desordens. Contra Duarte da Costa se levantaram parte da população, a câmara de Salvador e o bispo. Deu-se a invasão francesa da Guanabara, em 1555, sob o comando de Villegaignon. Mem de Sá enfrentou sublevação em Ilhéus. Atacou os franceses. Com a saída do governador, voltaram os franceses, que se aliaram aos índios. Formou-se até uma Confederação dos Tamoios. As tribos foram convencidas por Nóbrega e Anchieta. Firmaram a paz - a paz de Iperoig, em 1563. Estácio de Sá depois expulsou os franceses. O novo governador, Luís de Vasconcelos, morreu lutando contra os corsários.

Instituíram-se os dois governos - um no norte, outro no sul, mas em 1577 foi estabelecido o governo único. Os franceses passaram a buscar o norte. Houve lutas na Paraíba. Índios tabajaras e potiguaras tornaram-se inimigos inconciliáveis. Vencidos, os franceses tocaram  para o Rio Grande do Norte, donde foram desalojados. Pretenderam o Ceará e o Maranhão, e só se renderam em 1615. Veio a conquista do sertão - entradas e bandeiras. Vieram as lutas da Colônia do Sacramento. E as lutas contra os holandeses. A Guerra dos Emboabas, com a proclamação de Nunes Viana como governador, "o primeiro ditador que se erigiu no sertão brasileiro". Depois, a Guerra dos Mascates, de três meses de lutas. A revolta de Vila Rica, em 1720. A Inconfidência Mineira. Em 1807, D. João VI veio para o Brasil. Guerra com a França de Napoleão Bonaparte. Lutas no Uruguai. Em 1817, revolução em Pernambuco. Organizou-se uma república. Domingos Teotônio foi feito ditador. Os republicanos foram depois vencidos e castigados.

A partir de 1820, vários movimentos constitucionalistas estouraram no Brasil. Com o retorno de D. João VI a Portugal, ficava como regente o príncipe D. Pedro, herdeiro da coroa. A maçonaria começa a propaganda da resistência às cortes de Lisboa. Em todas as províncias estouravam revoltas. Houve o "Fico". E a Independência em 7-9-1822.


A. Tito Filho, 20/02/1990, Jornal O Dia

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

AINDA REVOLUÇÃO

O ímpeto desse movimento revolucionário se manifestou também no plano literário: uma busca de libertação, uma aguda ânsia por novas formas de expressão estética. Foi o Movimento de Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Picchia, Raul Bopp, Graça Aranha.

Sufocou-se o movimento dos 18 do Forte, mas não se conseguiu sufocar o seu idealismo. Dois anos depois, em 1924, no dia 5 de julho, outros militares se levantaram contra Bernardes, sob a chefia do general Isidoro Dias Lopes. Essa tropa se fundiria com o grupo de Luís Carlos Prestes para a formação da Coluna Prestes, "que atravessaria o sul de Goiás, ganharia a margem direita do São Francisco, atravessaria o rio e percorreria os Estados da Bahia, Ceará, Piauí, Pernambuco, entraria novamente em território baiano, retornaria pelo mesmo rumo para invadir Mato Grosso, atingir Guaíra na divisa com a Bolívia, separando-se, então, em dois subgrupos de exilados, um em direção de Santa Cruz de La Sierra e outro rumo ao Paraguai e à Argentina".

Desse segundo grupo revolucionário faziam parte nomes conhecidíssimos da política e das Forças Armadas: Luís Carlos Prestes (depois comunista); Juarez Távora (preso em Teresina, no último dia de dezembro de 1925), um dos chefes de outra revolução à presidência da República (vencido por Juscelino); João Alberto (já falecido); Cordeiro de Farias, Felinto Müller e tantos outros, comandantes e comandados, ao todo uns 800 homens que lutaram durante dois anos e meio.

Outros movimentos revolucionários vieram. O de 1930 de Getúlio Vargas, vitorioso; o chamado movimento constitucionalista de São Paulo, em 1932, o comunista, em 1935; a tentativa integralista em 1938; a derribada de Getúlio, dia 29 de outubro de 1945; o de Jacareacanga, o de Aragarças - e ainda o movimento de 1964, que depôs o presidente Goulart.


A. Tito Filho, 13/02/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CUNHA E SILVA - II

Cunha e Silva (1, 2) veio de Amarante, terra piauiense do seu nascimento, em 1947, ano em que subiu ao governo do Piauí o médico José da Rocha Furtado, eleito pela antiga União Democrática Nacional, a mesma agremiação partidária do professor recentemente falecido. Antes, em 1935, acusado e processado, teve condenação como comunista pelo extinto Tribunal de Segurança Nacional. Cumpriu mais de um ano de pena na velha e demolida Penitenciária de Teresina.

Conheci-o no Jornal do Piauí, órgão de imprensa do governo, cuja direção me havia sido confiada por Eurípedes de Aguiar. Mestre Cunha me aparecia duas, três vezes por semana. Levava-me artigos assinados, uns de doutrina, outros de severas críticas ao Partido Social Democrático, de oposição.

Nessa época, o governo lhe confiou uma cadeira de Geografia no Colégio Estadual, antigo Liceu.

Não permaneceu muito tempo nas hostes governistas. Era jornalista de linguagem forte, às vezes agressiva, e gostava muito de proclamar as suas verdades. Rompeu com o governador Rocha Furtado e perdeu o cargo no magistério. A política da época não admitia censuras de amigos ou adversários. A punição não falhava. Os rebeldes perdiam o emprego público, tivessem ou não responsabilidades de família...

Pobre e carregado de filhos pequenos, sem casa própria, Cunha e Silva suportou severa adversidade. Ajudavam-no alguns amigos e colegas. Conheceu de perto duras e pesadas aflições. Mas não dava tréguas ao governo. Escrevia sempre artigos contundentes, violento contra o governante e seus auxiliares. Conseguiu modestíssimo lugar no antigo Fomento Agrícola. Trabalhava na Granja Pirajá, bem distante de sua residência. Brevemente se aborreceu do emprego e largou-o para suportar novas pesadas vicissitudes.

Tinha ânimo forte. Não abaixava o topete. Com a vitória de Pedro Freitas ao Governo do Estado, mereceu duas cadeiras no magistério de geografia e história, no Liceu e na Escola Normal. Passou a ganhar sofrivelmente. No Governo Petrônio Portella, foi escolhido para cargo em comissão, de diretor da Casa Anísio Brito, de que em pouco se exonerou para prestar solidariedade a amigo desavindo com o governador.

Os anos a pesar-lhe o organismo sofrido de muitas lutas. Não arrefecia, porém. Escrevia e lecionava. No Governo Chagas Rodrigues teve a nomeação como diretor do Colégio Estadual. Depressa deixou as funções em protesto contra o juiz da capital que concedeu mandato de segurança a um professor por ele punido.

Os princípios da velhice e depois fizeram que serenasse mais as atitudes. Disciplinou-se. Ingressou na Academia Piauiense de Letras, que lhe publicou duas obras elogiadas, "A República dos Mendigos" e "Copa e Cozinha", ambos de crítica aos costumes sociais e políticos de Teresina.

Muito sofreu. Muito se realizou, combatendo os poderosos sem temer violências ou perseguições.


A. Tito Filho, 11/02/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

ALVINA

Todos os conheciam em Teresina. Técnico competente e afamado. Veio da terra do nascimento, Portugal, antes da 1ª Grande Guerra, e fixou-se em Belém. Depois, contratado pelo governo do Piauí, assistiu no interior piauiense, município de Oeiras, para montar máquinas de fabricação de laticínios.

Por muito chão - Pará e Terra de Mafrense - gastou dez anos de vida, a partir de 1912, e escolheu a Chapada do Corisco, a cidade fundada por Saraiva, para, em 1922, nestas de funilaria, até a viagem derradeira, no ano da graça de 1953 - a viagem sem bilhete de volta. Trinta e um anos de xodó e de amigação com a comunidadezinha simples e humilde, a que ele oferecia a constância de gestos de afeto, socorrendo os velhos com dinheiro e refeições.

Chamou-se Pedro Antônio Maria Fernandes, conforme o assento de cartório. Ao chegar ao Brasil, as autoridades viram a palavra Pedro entre parênteses no final do nome todo, então quiseram que ali estivesse o antenome ou pronome.

Não corrigiu o equívoco. E Pedro ficou como designativo de família.

Antônio Fernandes Pedro exercia a indústria e o comércio numa casa do centro de Teresina, esquina com o antigo Banco do Brasil, na rua Eliseu Martins, perto da praça Rio Branco. Era um prédio baixo, atijolado, bem limpo, em que o dono tinha também o reto agasalhador. Num dos lados, o que dava para a rua Barroso, havia a loja de venda dos objetos por ele fabricados - e aí se reuniam os comandantes intelectuais do meio, de amanhã e de tarde - e como Antônio Pedro lhes apreciava a convivência diária, para o cafezinho e boa prosa ilustrativa, alegre e folgozã. Esmaragdo de Freitas, Cromwell Carvalho, Mário Baptista, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Martins Napoleão, Pedro Britto, Cristino Castelo Branco, Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Simplício Mendes, Benjamin Baptista, Álvaro Ferreira, Arimathéa Tito, Artur Passos e muitos ouros - magistrados, médicos, poetas, historiadores, políticos, gente fina, fizesse sol ou deixasse de chover, não dispensavam o bate-papo com o funileiro, do modo que afetivamente era chamado o português de bom caráter e excelente camaradagem, de agudo senso intelectivo, trabalhador, alma feita de fraternidade.

Alvina Fernandes Gameiro teve para quem puxar o gosto pelas cousas do espírito. Filha de Antônio Pedro, como o pai, desde meninota gostava de tudo que proviesse da inteligência.

Alvina publicou agora Curral de Serras, obra-prima da literatura nacional, em primorosa edição de editora carioca.

O ponto alto deste Curral de Serras é a fixação da linguagem desses trechos humanos sem contatos com o processo e com as transformações dos modos de viver dos povos.

A linguagem dos homens se manifesta por processos vários. Há a literária, polida, asseada, rica, regida por preceitos gramaticais, existe a usual, despoliciada, de todas as horas, a linguagem chã, planiciana, de estragos fonéticos, governada pelo menor esforço, aquela que é o veículo de entendimento geral. Adiante linguagem dos gestos - dos dedos, da cabeça, do piscar de olhos. E ainda a gíria, por via da qual o povo ironiza pessoas e episódios, e estabelece relações entre os objetos, a gente e os fatos. E mais: o processo da linguagem emotiva e o do calão. E também uma maneira especial de comunicação, de causas profundas - um modo de ser representado pelo linguajar das pequenas paisagens populacionais, de reduzidas comunidades de povo, de lugarejos e vilas - um processo alatinado, cheio de encanto, de originalidade, de sabor ingênuo, conservado, inconscientemente, durante anos a fio, pelos habitantes desses arraiais, em virtude da segregação e da distância.

Alvina "fotografou" essa linguagem que se mantém no caipira, no matuto - e a grande escritora oferece mais ao leitor: um correto glossário, de natureza explicativa, tão íntegro quando a ciência que a autora tem do material lingüístico estudado.

Raras vezes a vida literária nacional recebe obra de lavor e de encanto, a modo deste Curral de Serras, romance ímpar, obra-prima de criatividade e documento da expressão sincera do caboclo nordestino.


A. Tito Filho, 14/10/1990, Jornal O Dia

sábado, 15 de outubro de 2011

HISTÓRIA DE DOENÇAS

No carnaval de 1959, fui impiedosamente molhado por chuva torrencial em Teresina. Começo de março, sentia calafrios na boquinha da noite e febre e dores me caceteavam. Dores e febre aumentavam dia por dia. Após um mês no Hospital Getúlio Vargas, os médicos me aconselharam o Rio de Janeiro. Viajei cedinho, nos velhos e seguros aviões DC-3, que realizavam chatíssimo pinga-pinga com pousos em Bom Jesus da Lapa, Salvador, Ilhéus, Montes Claros, Belo Horizonte, Vitória, finalmente a velha capital brasileira, aonde se chegava pelas oito da noite. Seguia recomendado a um célebre doutor, dirigente de casa de saúde, a cujas portas bati e tive ciência de falta de vaga. Encaminharam-me a outro hospital, até que alguém, morrido ou estabelecido, desocupasse quarto.

Ingressei, modo provisório, noutra casa de saúde, e nela recebi assistência de um doutor magro, sabido como o diabo. Auscultou-me e interrogou-me e consentiu em que eu padecia de muita fome. E já noite puxada mandou que me servissem presunto e pão.

Uns três dias depois me internei no hospital recomendado pelos médicos do Piauí. Submeti-me a uns trinta exames. Diariamente os médicos seguiam novos rumos. Não agüentavam mais o regime hospitalar. Certo sábado, o famoso Dr. Fernando Paulino me disse, triunfante, que deveria operar-me do baço, retirá-lo do organismo. Recusei-me, pedi a conta, paguei-a e me hospedei em modesto hotel do centro da cidade.

Sentia-me melhorado, mas as dores e a febre me mortificavam. A família, tias e primos, me cercavam de cuidados. Andei por mais uns seis médicos, e ninguém acertava o meu mal. Certo doutor deliberou que um dos meus rins se encontrava fora do lugar. Devia operar-me. Nova recusa. Foi quando procurei o Dr. Luís Carvalho, casado com a bonita Teresinha Alcântara, minha antiga aluna e rainha do centenário de Teresina. Fui examinado no próprio apartamento do boníssimo casal. Luís assentou que eu tinha inflamação da pleura, uma pleurite. Gostaria de examinar-me em radioscopia na manhã seguinte, mas logo me receitou injeção, chamada, se a memória me acode, KANTREX. Tomei-a de noite. Amanheci sem dores. Os exames confirmaram o mal. enganei muitos tipos ruins de Teresina que rezavam por um câncer.

Curado, voltei à capital piauiense, reassumi cargos e encargos. Quatro meses depois, retornei ao Rio, para uma verificação médica no organismo. Tudo funcionava normalmente.

Hospedado no mesmo hotel a quando da doença, o Rex, preferido dos piauienses de classe média, na sala de espera, certo dia, encontrei Josípio Lustosa, triste e desanimado. Estava de operação marcada. Tumor no cérebro. Tinha certeza do desenlace. Já se havia despedido dos familiares em Teresina. Aconselhei-lhe que não se operasse sem ouvir médico amigo e me ofereci para levá-lo ao Dr. Luís Carvalho. Acolheu a sugestão. Acompanhei-o. Luís examinou-o detidamente algum tempo, os dois em sala privativa. Nada grave. Josípio, segundo o médico, padecia de reumatismo.

Estes fatos se passaram em 1959. Josípio da Silva Lustosa faleceu em fevereiro de 1990, mais de sessenta anos depois do acontecido. Nunca fez operação na cabeça. Salvei-o, buscando uma tábua numa derradeira esperança. Mas deu certo.


A. Tito Filho, 05/04/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CULTURA

Rui Caetano Barbosa de Oliveira era o nome todo do grande brasileiro, que se reduziu a Rui Barbosa, cuja cultura jurídica causou admiração aos nomes mais notáveis na célebre conferência de Haia, na Holanda, menos conhecido no seu país de nascimento, nos dias de hoje, do que um dançador de lambada. Veio ao mundo num 5 de novembro, escolhido para que nele se comemore o dia da cultura. Que cultura? Cultura pode dizer-se o conjunto de processos de vida de um povo e por este modo se dirá da sua felicidade ou desgraça. Como se caracterizam os brasileiros? Uns cinco por cento passam à tripa forra, no luxo, nos grandes centros turísticos, donos da escravaria de milhões cujo trabalho vale salário mínimo, que mal compra meio quilo de carne por dia. No país colonizado por portugueses safados habitam uns cento e vinte milhões entre os analfabetos, os que mal assinam o nome, os que treinam o desenho do voto, o empresariado da indústria e do comércio que apenas lê a cotação do dólar, os bandidos milionários de colarinho branco, as crianças e adolescentes sem escola, os que não têm a mínima idéia do que seja conhecimento da ciência, da literatura, das demais artes, das lições da natureza.

Como educar para a cultura? Pelos instrumentos necessários e competentes, pelas instituições sociais, pelos meios de comunicação. No Brasil esses modos de interpretação das coletividades funcionam? Nunca dos nuncas. Família pervertida e sem autoridade, escola falida ou de balcão comercial, meninos sem afeto materno, ausência completa de leitura, inexistência de princípios morais, linguagem de calão, autoridades sem equilíbrio mental, televisão a serviço da violência ou do sexo ao vivo. Por mais que os heróis, e são poucos, se esforcem, conseguem quase nada neste deserto de homens e de idéias em que * o Brasil. Antigamente havia ao menos o bom exemplo dos responsáveis pela vida pública. Hoje, besta é o que não furta e enche o bandulho da dinheirama resultante de privilégios criminosos. Que se fez do cinema como arte que sempre foi, cujos temas estavam nos grandes conflitos humanos ou nas comédias que mostravam a vida e suas personagens com naturalidade e espontaneidade?

Conheci o Brasil de outros tempos em que o governo incentivava a vida teatral e surgiam as companhias de artistas que na verdade educavam por intermédio de peças bem interpretadas e de mensagens que faziam o povo observar a crua realidade das causas. Era bom. O teatro nacional viveu dia de glória e esplendor artístico. A dança e a música se dirigem nestas últimas décadas aos instintos de um povo sem o menor vislumbre de lucidez mental. Foi-se o tempo de um Francisco Alves, o velho Chico, que enviava melodias ao espírito romântico das gentes. Agora as multidões ululantes se requebram enlouquecidas com as desordens das gritarias dos roquiniróis.

Pobre Rui Barbosa. No dia da cultura, criado para homenagear o notável brasileiro, o Brasil já não possui um insosso ministério da cultura, financiador de péssimo cinema e que jamais efetivou, nas tevês e nos rádios, programas culturais, embora esses instrumentos sejam concessões do governo. A cultura nacional se resume nos mais degradantes processos de vida da sua população, socada nas favelas das megalópoles, jovens sem horizonte buscando na droga o lenitivo da degradação física e mental, a legião dos analfas e dos obtusos de inteligência, a esperteza como sistema de triunfo, as perversões sexuais de protestos contra a masculinização feminina - eis a homenagem que o Brasil vem prestando a Rui Barbosa, esse homem desconhecido.


A. Tito Filho, 06/11/1990, Jornal O Dia

* Apagado no original

terça-feira, 11 de outubro de 2011

AINDA ESTABILIDADE REPUBLICANA

Em 11-5-38, os integralistas de Plínio Salgado assaltaram a residência presidencial, no Rio. Foram vencidos. A 29-10-45 as Forças Armadas depuseram a Getúlio Vargas e entregaram o poder a José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal.

Eleições no dia 2/12/1945. Eleito Eurico Dutra, pelo processo direto. Nova Constituição em 18/9/1946, fixando em 5 anos o mandato presidencial. Dutra governou de 31/1/1946 a 31/1/1951.

Nas eleições seguintes, de 30/10/1950, Getúlio Vargas foi eleito assumindo em 31/1/1951. Em 5/8/1954, atentado contra o Sr. Carlos Lacerda e morte do aviador Rubens Florentino Vaz. Às 8 horas da manhã de 24/8/1954, Getúlio matou-se. Na presidência o vice João Café Filho, a partir de 24/8/1954. Eleições a 3/10/1955. Eleito Juscelino Kubitschek. O sr. Café Filho, alegando doença, pede licença ao Congresso e passa a presidência a Carlos Luz, presidente da Câmara, nos termos constitucionais. Carlos Luz assume no dia 4/11/1955. No dia 11, demitiu o ministro da Guerra, general Lott, que chefiou uma revolução, e depôs o presidente Luz. O governo foi entregue a Nereu Ramos, presidente do Senado. O catarinense Nereu assumiu no dia 11/11/1955 e no dia 31/1/1956 passou a presidência a Juscelino, que chefiou o Executivo até 31/1/1961, vencendo uma rebelião - a de Jacareacanga, chefiada por Haroldo Veloso.

Eleições dia 3/10/1960. Eleito Jânio Quadros. Assumiu em 31/1/1961. Renunciou espetacularmente em 25/8/1961. Encontrava-se no exterior o vice João Goulart. A Presidência passou ao presidente da Câmara. Raniere Mazzili. Grave crise militar. Instituiu-se o Parlamentarismo e Goulart assume em 7/9/1961, sob novo regime, chefiado por um Primeiro Ministro. Crises e mais crises. Plebiscito em janeiro de 1963. O povo vota contra o Parlamentarismo. O regime volta ao Presidencialismo. Prosseguem as crises. Comícios com a participação do presidente. Crise na Marinha. Crise da reunião dos Sargentos. Dia 31/3/1964, Goulart foi deposto. Assumiu Raniere Mazzili. O Congresso elege Humberto de Alencar Castelo Branco, que assumiu em 15/4/1964, por um ano. O Congresso prorroga o mandato presidencial. Castelo, posteriormente, institui a eleição indireta do presidente, para 3/10/1966. Eleito Costa e Silva, que governou até agosto de 1969. Doente, afastou-se do poder. O governo não foi recebido pelo vice Pedro Aleixo, mas pelos três ministros das pastas militares.

Para a presidência, em substituição aos ministros, foi eleito pelo Congresso o general Emílio Garrastazu Médici. Assumiu em 30 de outubro de 1969. Cumpriu o mandato até o final (15/3/1974), quando, para um período de cinco anos, se empossou o novo mandatário - presidente Ernesto Geisel.

A verdade é que o Brasil necessita de estabilidade política. E queira Deus que o Brasil tenha a tranqüilidade que nunca tiveram, no agitado período republicano, iniciado por Deodoro da Fonseca, ressalvados os dias do governo Médici até os nossos dias.


A. Tito Filho, 15/02/1990, Jornal O Dia

RENATO E PAULO

Renato Castelo Branco e M. Paulo Nunes são duas das mais prestigiosas figuras intelectuais do Piauí. Sobre livro do segundo, recentemente lançado, escreveu o primeiro:

"São Paulo, 20-11-89,
Caro M. Paulo Nunes
Irmão em Piauí:

Eu já conhecia o seu "A Província Restituída" e, através dele, seu telúrico amor a nossa Província, que compartilho, arrastando comigo vida afora (como você) sua indelével carga emocional.

Agora chega-me às mãos, por gentileza de nosso infatigável Arimathéa, um exemplar de "O Discurso Imperfeito".

Se, no primeiro, eu havia apreciado o literato e o crítico, no segundo admiro sobretudo o educador.

Em "Província Restituída" o crítico literário analisa, com lucidez e amor, a vida e/ou obra de ilustres conterrâneos (sempre o Piauí), entre os quais Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, a quem tive a honra de substituir, na Academia Piauiense de Letras, na cadeira 19. E, por que não? – também, Luís de Camões, orgulho de todos nós lusófilos, cuja obra analisa com o mesmo carinho com que trata do "Porto da Imaculada Conceição de Marruás".

Em "O Discurso Imperfeito", o educador faz uma reavaliação de nosso panorama sócio-cultural e de nossa problemática educacional, que o coloca ao nível de nossos mais eminentes educadores, a exemplo de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Paulo Freire.

Mas o que principalmente resulta em ambos é o amor à cultura, a vocação de servir, o humanismo construtivo e pragmático que o acompanham desde a juventude.

Cordialmente,
RENATO CASTELO BRANCO".


A. Tito Filho, 10/01/1990, Jornal O Dia

domingo, 9 de outubro de 2011

FIGURA EXEMPLAR

Edmée Rego Pires de Castro tem estudo valioso sobre a poesia e sobre compor versos líricos de muita arte e expressividade. Dela recebo bem redigidas letras com o título ESTEIRA LUMINOSA, nestes termos:

"Tomei conhecimento de um acontecimento marcante na vida católica de nossa cidade, através de Notícias Acadêmicas, informativo da Academia Piauiense de Letras. Na coluna sob o título Notícias, li que Monsenhor Antônio Sampaio da APL, estará em Fátima, Portugal, para um retiro espiritual comemorativo dos seus 50 anos de sacerdócio.

Monsenhor Antônio descende de tradicional família católica. Seus pais foram Firmino como era chamada afetuosamente, senhora distinta, admirada por suas peregrinas virtudes.

Monsenhor Sampaio nasceu nesta cidade, aqui fez o curso primário e iniciou o curso secundário no ex-Ginásio Parnaibano. Logo após ingressou no Seminário de S. Luís, no Maranhão. Ordenou-se em Teresina, no dia 8 de dezembro de 1940 e celebrou a primeira Missa, em nossa Catedral de N. S. da Graça, o que foi motivo de regozijo para todos os fiéis, que participaram com fervor da festiva celebração.

Vale ressaltar o seu perfil de homem dedicado ao serviço de Deus, afável, acolhedor, sempre amigo encaminhando o povo católico para trilhar as sendas da vida cristã, não só quando vigário de nossa Catedral, mas também como diretor espiritual, conselheiro e juiz. "Feliz aquele que encontra um amigo e conselheiro prudente e fiel. Encontrou um tesouro". Pregador de retiros espirituais, orador sacro, suas pregações em linguagem pura, nítida, admirável e suave orientam as almas indicando o caminho da salvação. Professor insigne, atualmente dedicado ao ensino dos jovens vocacionais no Seminário Diocesano. É Administrador Apostólico desta diocese, pela palavra, pela pena e pelo exemplo dignifica o cargo que ocupa na hierarquia da Igreja.

Para os que têm fé há diferença entre um sacerdote e um leigo, embora tenham pontos em comum. Um sacerdote é um homem semelhante aos outros pela sua natureza, é um cidadão de seu país, fala a mesma linguagem, mas está afastado do mundo por uma educação especial, hábitos e costumes são diferentes, não são idênticos aos das pessoas do século. Ele recebeu uma consagração que o distingue dos outros homens e o tornou "homem de Deus para sempre" com o caráter indelével. É um ministro sagrado, é um membro docente da Igreja. "É a voz que clama no deserto" para quem quiser ouvir. Só ele tem essa missão e graça clamando pela justiça, misericórdia contra toda a iniqüidade, sempre interessado em tudo que diz respeito à felicidade temporal e eterna dos seus concidadãos.

Assim é Mons. Antônio para o povo de Deus que o estima. Desde a juventude até hoje, tem permanecido constante e infatigável na sagrada peleja. Em Fátima, em retiro espiritual, acompanha-o a oração dos fiéis em uníssono dando hosanas ao Senhor, pela passagem do seu jubileu sacerdotal e pedindo a Deus que derrame bênçãos especiais na esteira luminosa de seu sagrada ministério. E aos pés da Virgem, contrito e fiel, pode suplicar como o salmista:

"Deus, desde a juventude me ensinaste/ proclamei até hoje teus prodígios / e que eu possa Senhor, anunciar / as gerações vindouras teu poder!".


A. Tito Filho, 11/12/1990, Jornal O Dia

NOTINHAS

O frade franciscano Heliodoro Maria de Inzago assumiu a direção da paróquia de São Benedito de Teresina por duas vezes: de 1939 e 1945 e de 1952 a 1956. Tive a satisfação de expressar os sentimentos dos teresinenses quando ele retornaria à sua distante Itália, onde morreu bem idoso e cujos ossos jazem no cemitério de Bérgamo.

Frei Heliodoro, o pobrezinho de Cristo, viveu em doação aos humildes, aos pequenos, aos sofredores. Socorria os miseráveis e confrontava os enfermos. Instituiu a distribuição semanal de comida aos famintos. Sentia as desigualdades nas mesmas criaturas de Deus: enquanto uns poucos praticavam estroinices, no mau uso dos dinheiros mal ganhos, e dissipavam lucros fabulosos indiferentes aos dramas sociais de dores e sofrimentos, milhões padeciam fome, andavam maltrapilhos, moravam em tugúrios desumanos. Ao frade virtuoso cabia o apelo aos ricos para que se lembrassem dos deveres cristãos de querer bem ao próximo, e conseguia, pela graça da fé, minorar as aflições dos deserdados.

Num livro-ensinamento, outro frade sincero e bom, dedicado e justo, Antônio Kerginaldo Furtado da Costa Memória, o popular e simpático Frei Memória, que conviveu com os teresinenses de 1979 a 1981, num estilo agradável e simples, linguagem asseada e pura, conta a vida, os esforços e relembra os sentimentos magníficos de Frei Heliodoro, que mais do que ninguém ensinou humildade aos homens. No trabalho existem as lições e os exemplos da fé, como se fossem uma ajuda à educação para a vida. Lançamento da Academia Piauiense de Letras.

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Sempre gostei de estórias de caçadas. Leonardo mota contava-se com modos de doutoramento no assunto. Cornélio Pires escreveu livro sem defeito na fixação de casos mineiros da arte venatória - "As Estrambólicas Aventuras de Joaquim Bentinho".

Contar acontecidos nas matas em busca de bichos supõe antes de tudo conhecimento dos segredos desse tipo de trabalho ou diversão: instrumentos, objetos, armas, rastreação, hábitos dos animais, tipos de árvores, locais de espera, ruídos, anúncios da natureza, assim como um conjunto de princípios sérios para o exercício do mister perigoso, que supre a despensa do roceiro ou provoca divertimento aos diletantes.

Nestas páginas de Heitor Castelo Branco Filho executa narração deliciosa, viva, alegre, sobre peripécias de uma caçada nas bandas do sul do Piauí. Ele e os companheiros simples e amigos realizam proezas de caçadores inveterados ou de simples comedores de caças abatidas nas matas sertanejas. Hilariantes episódios conferem mais entusiasmo à leitura que a gente faz de fio a pavio. Lançamento da APL em abril.


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O Des. Sátiro é cearense de Tauá. Nasceu a 12 de janeiro de 1907. Filho de Jaime Martins Nogueira e Josefa Alexandrino Nogueira. Formado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Promotor Público de Picos em 1932. Nesse mesmo ano ingressou na magistratura, tendo sido juiz em Caracol, São Raimundo Nonato, Jaicós, Picos e Teresina. Desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Professor Catedrático, concursado, da Universidade Federal do Piauí.

Escreve com segurança. Português castigo. Saem-lhe espontâneas as narrativas de episódios, os da infância e da adolescência, como outros conhecidos da sua vivência nos sertões onde viveu alguns anos no convívio dos seus. Notável poder descritivo, reproduz cenários servido de rara fidelidade. Estilo seco, desenfeitados, sabe o clássico na construção exemplar das expressões. Lançamento da APL.


A. Tito Filho, 30/03/1990, Jornal O Dia

sábado, 8 de outubro de 2011

ASSUNTINHOS

Anfrísio Lobão Veras Filho exerceu com proficiência e coração a medicina em Teresina. Nas eleições municipais de 1924, para o quadriênio 1925-1929, fez parte da chapa de candidato a intendente, João Luís Ferreira. Foi o vice de João Luís. Ambos se elegeram. Aconteceu que o intendente também se elegeu deputado federal e optou por este último mandato. Assim, Anfrísio tornou-se intendente de 2-1-1925 a 2-1-1929. O chefe do Executivo de Teresina tinha sido um dos fundadores do Banco Agrícola, que se transformaria em Banco do Estado do Piauí. Depois, triunfaria como candidato a deputado estadual e por consenso dos seus pares presidiu a Assembléia Legislativa. Governador interino do Piauí. Membro do Tribunal de Contas. Nascido na terra piauiense de União, faleceu em Teresina, 1954. No momento em que o governador Alberto Silva, neste ano da graça de 1990, inaugura o seu propangadeado PRÉ-METRÔ, num dito primeiro trecho, em me lembrei de Anfrísio que, em 1927, adquiriu um bonde motorizado em São Paulo e inaugurou a linha de transporte popular da estação da estrada de ferro ao rio Parnaíba. Pioneirismo. Audácia. Certamente o bonde desapareceu por falta de freguesia. Ninguém se lembrou, na discurseira, do pioneiro Anfrísio.

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No Rio, as dondocas e as balzaquianas andam de dentuças à mostra, passeando com os seus bonitos cães domesticados? Razão? O empresariado carioca está ganhando os tubos com a novidade maravilhosa: os postes especiais para o xixi da cachorrada. Custam uma nota, mas são elegantes, de fino acabamento e têm farolitos de pilha para uso noturno. Denominação dos interessantes objetos, que são conduzidos pelos rabos-de-saia ao lado dos respectivos cachorros: PIPI-DOG. Os empresários de Teresina muito lucrarão importando o PIPI-GAY para instalação na praça de Dom Pedro II.

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Estive pensando muito. Embora entenda patavina de economia e seus mistérios encontrei remédio infalível para liquidar a inflação nacional, doidamente disparada contra a bolsa dos bestas do pauperismo. Pois bem. Basta que as autoridades nacionais, estaduais, municipais, estatais, paraestatais, autárquicas e seus respectivos auxiliares, familiares e cupinchas deixem de roubar pelo menos quinze dias no mês. Dia sim, outro não. Dia sim, outro também, não há bumbum de peruano que agüente.


A. Tito Filho, 06/02/1990, Jornal O Dia