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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

AINDA O COMÉRCIO

Em 1933, abril, o decreto nº 22, do prefeito Luís Pires Chaves, adotou o seguinte regime para o funcionamento das casas comerciais de Teresina: zona norte, das 8 às 12 e das 14 às 18; zona sul, das 7 às 11 e das 13 às 17.

Era 1932. Chegamos a Teresina em companhia do saudoso pai, que vinha assumir o juizado de direito. Moramos na rua Lisandro Nogueira (Glória antiga), bem perto do mercado central. Passamos, ainda nesse ano, a residir na rua São José (Félix Pacheco), próximo, muito próximo da praça Saraiva. Defronte, mantinha sortida mercearia o português José Gonçalves Gomes, cidadão conceituado e que muito honrou a atividade comercial. Dessa época distante ainda nos lembramos da Casa Carvalho. De Deoclécio Brito, o primeiro concessionário da Ford e das máquinas de escrever Remington; de Manoel Castelo Branco e Anfrísio Lobão, que se tornaram donos da Agência Ford; de Afrodísio Tomás de Oliveira (Dôta). De João de Castro Lima (Juca Feitosa), cuja loja vendia artigos diversos, inclusive livros de autores portugueses e brasileiros. De Lili Lopes, à frente da Botica do Povo; de Manuel Madeira, português, vendedor de bolos e pastéis (praça Rio Branco), talvez o pioneiro de lancheiras em Teresina - e de vários bares e botequins como o frequentadíssimo Bar Carvalho, de José Carvalho, o Zecão, homem de bem, de muitos amigos, que oferecia, no estabelecimento, bilhares, café, sorvete, chocolate e convidativo restaurante sob o comando do espanhol Gumercindo, introdutor de filé de grelha, feito na chapa do fogão, na culinária teresinense. Alcançamos o famoso Café Avenida, feito de madeira, na praça Rio Branco. Construiu-se outro, em 1937, de dois andares, amplo, ao lado do Hotel Piauí (Luxor), freqüentado de homens ilustres. Foi derribado. No local hoje se estacionam veículos.

Algumas entidades de classe surgiram no correr dos anos, como a Estímulo Caixeiral (empregados no comércio), iniciativa de Manuel Raimundo da Paz; a Associação dos Empregados no Comércio (1928), a Associação dos Empregados no Comércio (1928), a Associação dos Varejistas de Teresina, e a Federação do Comércio dos Varejistas do Piauí - as duas últimas parecem que sob a orientação de Miguel Sady.

Houve um grêmio de natureza social e cívica - a Sociedade Jovem Síria, criada em 1916, que muito animou a vida teresinense. Ainda em atividade se encontra o Clube das Classes Produtoras, idealizado por Valdemar Martins.

Moysés Castello Branco Filho realça a presença de sírios e libaneses em Teresina, no princípio do século XX, dedicados ao comércio de miudezas e de modas. Principalmente sírios. Sírios na quase totalidade. Vinham de longe, da Síria, onde é gritante o contraste entre a riqueza e a pobreza. O padre Luciano Duarte diz que lá a terra tem cor amarela, queimada de calor. "Não há vegetação. Apenas areia e pedra - mas de repente sem lógica, no meio do quadro - um oásis. O milagre da água correndo límpida e cantante, da fonte que Deus fez brotar, vestindo de verde a terra nua, estendendo a sombra das palmeiras para os homens cansados".

A Síria lembra Damasco, de ruas apertadas do comércio de miudezas - quiosques, ruelas escuras e sujas, em que o visitante sempre compra pela metade do preço. Paga e sai com ares de quem ganhou uma batalha. E o sírio lá ficou impassível, contente, pois o preço pago ao cabo de contas, ainda vale três ou quatro vezes a mercadoria.


A. Tito Filho, 21/11/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

OUTRA VEZ O COMÉRCIO

Os sírios e libaneses assimilaram nossos costumes, hábitos e vivências, e integraram-se na sociedade teresinense, casando-se, multiplicando-se, educando a prole, progredindo pelo trabalho e valorizando o chão que os abrigou fraternalmente.

Dos árabes em geral disse Gustave Le Bon: "Uma grande urbanidade e doçura, uma grande tolerância com os homens e as cousas, a calma e a dignidade em todas as situações e circunstâncias e uma notável moderação de necessidades, tais são os traços característicos de orientais. Sua conformação moral com a vida, tal como ela se apresenta, dotou-os de uma serenidade muito semelhante à ventura, ao passo que as nossas aspirações e necessidades fictícias nos têm levado a nós a um estado de inquietação permanente muito diferente do deles".

Na história do cinema em Teresina muitos nomes são dignos de notar, como Neuman Bluhm, R. Coelho, R. Fontenele, Pedro Silva, José Ommati (sírio) e de Farid Adad, também sírio, que fixou residência em Parnaíba (1919) e ali, com o irmão Miguel, fundou o cinema Éden. Em 1930 esta casa exibidora iniciava a era do filme falado no Piauí. No Teatro 4 de Setembro, Farid estabeleceu o primeiro cinema falado da capital piauiense, inaugurando-o em 23.12.1933. A 25.11.19173, encerraram-se as atividades cinematográficas na velha casa de espetáculos da praça Pedro II. Farid havia falecido no ano anterior. A cidade o conhecia pelo nome de Alfredo Ferreira, casado em primeiras núpcias com Farisa Salim Issa, sua patrícia, de excepcionais virtudes espirituais, falecida em 1938. O casal deixou vários filhos.

Depois de Alfredo Ferreira, outros empresários prosseguiram no trabalho de dotar Teresina de confortáveis cinemas.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, inclui carcamano como brasileirismo. E define a palavra: "Alcunha jocosa que se dá aos italianos em vários Estados; latacho, macarrone". Escreve mais, que no Maranhão vale “a alcunha que se dá aos árabes em geral”. No Ceará, “vendedor ambulante de fazendas e objetos de armarinho”. Antônio Joaquim de Macêdo Soares acentua que carcamano é o "italiano de baixa classe". Nascentes diz apenas que o carcamano corresponde a italiano, mas explica: "Uma etimologia popular diz que o vocábulo vem do conselho de um italiano a um filho que o ajudava na casa de negócios. O filho fazia honestamente a  pesada. O pai, então, quando o equilibrio estava prestes a estabelecer-se, aconselhava: carca la mano (calca a mão). Se non e vero...". F. A.

Pereira da Costa cita o vocábulo na qualidade de italiano, assim chamado. E anota dito do povo de Pernambuco: "Mama em grosso o carcamano, e abusa da bonhomia do povo pernambucano". O saudoso R. Magalhães Júnior explicou: "Denominação pejorativa dada aos imigrantes italianos, em razão das fraudes atribuídas a estes, em suas quitandas e açougues, ao pesarem os alimentos, vendidos a quilo, ajudando a concha da balança a descer com o impulso da mão. De calcar a mão teria surgido a forma italianizada de carcamano, corrente não só no Brasil como na Argentina, onde Juan Ezuista Alberdi a usou, num dos seus livros, que dizia serem reverenciados, nos altares argentinos, alguns santos carcamanos, já ricos e portanto poderosos".

Em Teresina, carcamano sempre designou de modo pejorativo, os árabes. Veja-se o depoimento de Salomão Cahib, médico de nomeada, em discurso de posse na Academia Piauiense de Letras: "Meu pai aqui chegou vindo de uma civilização milenar, duma terra sem horizontes. Ansiava por liberdade. Seu povo estava escravizado e colonizado impiedosamente, levado a servir, sob bandeira de nação odiada, à luta pela grandeza e progresso de seu próprio algoz. Jurou ele que seus filhos não nasceriam colonos, nasceriam livres, numa coletividade generosa e bela, que lhes desse paz e trabalho. Foi assim que veio moço para o Brasil. E para o Piauí, que ajudou e honrou, trabalhando de sol a sol, viajando a pé pelos sertões agrestes, vendendo, aprendendo a língua, fazendo amigos e amando a nova pátria. Aqui se casou.

Naturalizou-se brasileiro. Constituiu família. Nasceram-lhe os filhos. A pátria de seus filhos era a sua pátria".

E logo a seguir: "Guardo da infância despreocupada dos primeiros instantes do convívio com outras crianças do grupo escolar, a observação de uma delas: CARCAMNO NÃO TEM BANDEIRA".

E prosseguiu: "Em casa dei a notícia do acontecimento a meu pai. E ele, com profunda tristeza, explicou-me: A SÍRIA TEM BANDEIRA, MAS ESTÁ OCUPADA POR PAÍSES ESTRANGEIROS".


A. Tito Filho, 22/11/1990, Jornal O Dia

sábado, 28 de janeiro de 2012

QUASE CAPITAL

O primeiro governador do Piauí, militar português, chamou-se João Pereira Caldas. Assumiu o poder a 20 de setembro de 1758, na Vila da Mocha, denominação que por Oeiras, a 13 de novembro ele substituiu de 1961, em homenagem ao conde de Oeiras, que depois seria marquês de Pombal. O governante esteve à frente da administração até 3 de agosto de 1769, quase dez anos.

Os governadores não gostavam da velha capital, situada num terreno seco e estéril, cerca de trinta léguas distante do rio Parnaíba. Cogitou-se da mudança da sede administrativa, a princípio, para São João da Paraíba. Uma lei de 1844 determinou que fosse mudada para a foz do riacho Mulato, no Parnaíba, o que não se verificou. Outros diplomas legais cogitaram do assunto, sem resultado, até que a resolução da Assembléia Provincial 315, de 21 de julho de 1852, sancionada pelo presidente José Antônio Saraiva, transferiu a capital para a Vila Nova do Poti, elevada à categoria de cidade com o nome de Teresina.

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Com a República, o primeiro governo do Piauí foi exercido por uma junta composta de militares e logo depois acrescida de ilustres civis, até que o Deodoro da Fonseca nomeou como governador o notável Gregório Taumaturgo de Azevedo, nascido na cidade piauiense de Barras, militar, engenheiro, bacharel em direito, fundador da Cruz Vermelha Brasileira e que em seguida governaria o Amazonas.

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Taumaturgo veio assumir o governo viajando por Parnaíba, onde povo e autoridades o receberam com festas preparadas por uma comissão de pessoas de prestígio.

A comissão e grande massa popular dirigiram-se ao palacete da hospedagem do governante e a este entregaram mensagem, gravada em seda, com letras douradas, em que se pretendia a mudança da capital para a cidade de Parnaíba. O governador fez promessa solene de atender o pedido, mas foi contrariado por um telegrama urgente de Deodoro da Fonseca que determinou, de modo irrevogável a permanência da capital em Teresina - por esta forma rezam as crônicas da época.

Não encontrei as razões que levaram Deodoro à atitude severa expressa na comunicação telegráfica.

Gregório Taumaturgo de Azevedo, o primeiro governador republicano do Piauí, foi um homem de bem e de honestidade inatacável. Ocupo na Academia Piauiense de Letras a cadeira 29, que tem como patrono. Assumiu o governo a 26 de dezembro de 1889 e deixou-a a 4 de junho de 1890. Caiu do poder em virtude de pressões da politicagem local. Faleceu no Rio, ano de 1921.

Se Deodoro da Fonseca não houvesse adotado a enérgica providência determinada no telegrama, a capital do Piauí seria em Parnaíba. Os teresinenses devem muito ao proclamador da República, o tem homenageado numa das principais praças da capital, a praça Marechal Deodoro, local em que nasceu Teresina, onde se situava o palácio governamental, o primeiro prédio, a igreja do Amparo pelo mestre-de-obras João Isidoro da Silva França, português de nascimento e braço direito do fundador da cidade que lembrou com o nome de imperatriz Teresa Cristina, os tempos do Império brasileiro.


A. Tito Filho, 15/11/1990, Jornal O Dia

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

MERECIMENTO

Meu avô Silvestre Tito Castelo Branco foi cidadão sem cabedais. Pobre. Mal podia sustentar a família de vários rebentos. Morava em Barras, onde se desaveio com parentes e da esposa e dos filhos anulou o nome familiar Castelo Branco. Um dos filhos, jovem inteligente, chamado José Arimathéa Tito. O pai sem dinheiro não podia sustentá-lo na capital. Alma generosa, advogado, político, João José Pinheiro, poeta espontâneo e singelo, acolheu o garoto na própria casa, dando-lhe teto e alimentação e ajudando-o nos estudos.

João José Pinheiro era maranhense, mas muito moço fixou-se no Piauí, onde se domiciliou, constituiu família e faleceu. Quando adolescente, fui aluno de dois dos seus filhos, João Pinheiro, diretor do tradicional Liceu Piauiense, mestre conceituado do português, língua de que ele conhecia os melhores clássicos, e de Amália Pinheiro, talentosa musicista, que tanto encantou a sociedade teresinense, dominando instrumentos musicais e compondo músicas artísticas do mais intenso lirismo. Nessa época de estudos ginasiais, conheci Celso Pinheiro, outro irmão, uma das mais altas expressões da vida literária piauiense, conferencista de escol e poeta simbolista da mais elevada inspiração.

Em 1964, ingressei na Academia Piauiense de Letras e desta instituição me tornava secretário geral no ano seguinte. Desenvolvi trabalho acadêmico e me tornei conhecedor de três irmãos, João e Celso, dois dos dez fundadores da instituição, e mais outro, Breno Pinheiro, jornalista projetado em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Estudante no Rio, década de 40, fiz amizade com Celso Pinheiro Filho, bacharel em direito e que se tornaria, com o correr dos anos, advogado de grande conceito, prefeito de Teresina e um dos mais dedicados pesquisadores da história do Piauí. Acusado de comunista, nos tempos da Ditadura de Getúlio Vargas, a polícia criminosa lhe impôs sofrimentos atrozes que o privaram do uso dos membros inferiores. Também honrou os quadros da Academia Piauiense de Letras e deixou descendentes educados, entre os quais a intelectual Lina Celso.

Sempre gostei dos Pinheiros, dos antigos e dos mais moços, com os quais mantive amizade sincera. Nunca me deslembrei do que o chefe da ilustre família fez por meu pai, ajudando-o nos estudos e possibilitando-lhe formar-se em direito, no Recife.

Nomeado para cargo público no Piauí, por concurso cursei a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro até o quarto ano. Transferi-me para idêntica escola superior em Teresina, para cursar o último ano. Completei em 16º da turma, a primeira depois da federalização do extinto estabelecimento de ensino. Eis os colegas: Afrânio Nunes, Alcebíades Vieira Chaves, Esdras Pinheiro Correia, José Barbosa, José Guilherme do Rego Monteiro, Manoel Paulo Nunes, Omar dos Santos Rocha, Raimundo Everton de Paiva e Sebastião de Almeida Castelo Branco - os vivos; João Lino de Assunção, Cristovão Alves de Carvalho, Manoel Teodoro Gomes, Jesus da Cunha Araújo, Raimundo Richard e Ernani de Moura Lima, falecidos. Todos vitoriosos como políticos, magistrados, procuradores, jornalistas, professores, escritores, advogados.

Entre os novos bacharéis, mais um descendente dos Pinheiro passou a participar de minha amizade e da minha admiração, Esdras Pinheiro Correio, estudioso, dedicado ao companheirismo, de atitudes francas e corajosas. Escolheu carreira exigente de determinação e sobretudo conhecimento e interpretação da lei - a carreira honrosa do ministério público. Promotor ativo e independente. Procurador de justiça, sempre desempenhou as funções sustentado do critério de servir racionalmente o direito, para alcançar a verdade que assegure as prerrogativas do homem e o equilíbrio da sociedade.

O trabalho sério com que tem sabido desempenhar as funções meritórias dos seus cargos conduziu-o a Subprocuradoria Geral da justiça, como se fora prêmio ao mérito. Agora pleiteia a Procuradoria Geral, com títulos de servidor consciente da lei, para vigiar-lhe a aplicação e exigir dos seus aplicadores a correta observação da sua letra e do seu espírito.

Esdras Pinheiro Correia merece o apoio dos promotores e procuradores do Estado, pois os colegas o conhecem e sabem que possuem, na sua formação, um fazedor de justiça, sobretudo.


A. Tito Filho, 13/09/1990, Jornal O Dia

ALEIJAMENTO

Um dia o governador Dirceu Arcoverde me pediu que fosse conversar com ele no palácio governamental de Carnaque. Pretendia que eu escolhesse dezesseis poemas de Da Costa e Silva para os dezesseis painéis da bonita praça que estava construindo à beira do Parnaíba com o nome do poeta piauiense. Segundo Burle Marx, o notável paisagista, as poesias deveriam ser entendidas pelo povo, pela plebe ignara. Tarefa difícil. Tive que reduzir alguns, com o aproveitamento do essencial. O projetista citado sugeriu que houvesse uma espécie de seqüência racional nas concepções do escritor. Assim comecei com os poemas de fé, passei ao amor materno, à terra natal, aos cenários piauienses e à saudade, quando Da Costa e Silva se encontra em Recife. E ainda, de ordem do governador, viajei à capital pernambucana para a confecção dos painéis em que se inscreveram as poesias.

Praça de grande beleza, com o coretinho dos tempos antigos. Hoje, o recanto está transformado em motel ou bordel, casais nus embaixo dos céus e a veadagem campeando solta.

A praça Rio Branco, o antigo jardim em que as famílias passeavam de noite, reformada por um prefeito sério nos idos de 1936, Francisco do Rego Monteiro, passou a mercado público, suja, maltratada, nódoa na cidade mutilada. De modo semelhante se vê a praça João Luís Ferreira, onde se vendem panelada e outras iguarias. Nenhum resquício de higiene nesses restaurantes populares. Que se fez da praça de Dom Pedro II, outrora tão plena de romantismo, em que as garotas se entregavam ao gostoso namoro dos olhos com os jovens casadoiros? O logradouro de tantas recordações expressivas transformou-se [em] campo de homossexuais e de viciados na cachaça e na droga, espetáculo de degradação e amoralização. A praça Demóstenes Avelino se encontra deturpada, com um prédio no centro, dito Frigorifico do Piauí, de propriedade de empresa particular. Criou-se uma prainha, ao longo da avenida Maranhão, cenário de constantes crimes de agressão e morte.

O abandono das atividades agrícolas e da pecuária fez que milhares de piauienses, machos, fêmeas e numerosa prole deixassem o campo em busca de empregos inexistentes ou biscates humilhantes, e cada dia aumenta a legião dos famintos e das garotinhas de 12 a 15 anos entregues À prostituição nas favelas que cercam a cidade que José Antônio Saraiva Fundou tranqüila, pitoresca e afetiva. Áreas rurais desabitadas e Teresina crescendo fisicamente de modo alarmante o que gera conflitos com os donos de terra e mais do que tudo promove a favelização da cidade, cercada de conjuntos habitacionais desumanos, num sistema de promiscuidade que fere a personalidade dos que vivem nessas casas miseráveis e vendidas por preços exorbitantes.

Teresina vale uma cidade violenta, deseducada, de milhares de indivíduos andrajosos, em que ainda se usam sentinas de buraco e milhares moram em casa de taipa em convívio com BARREIROS, os da moléstia de Chagas. Alguma percentagem pequeníssima vive a tripa forra, em gritante afrontamento aos miseráveis que enxameiam por todos os lados. O desnível da renda individual espanta, enraivece, pela brutalidade das diferenças. Enquanto deputado e desembargador, cada qual ganha mais de milhão, milhares de filhos da pátria não chegam a quatro mil cruzeiros mensais. Brutal o confronto. Não cabe dúvida: Teresina corresponde a uma sociedade doente, perversa, porque injusta e insensível.


A. Tito Filho, 11/11/1990, Jornal O Dia

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

FAVELIZAÇÃO

Dezenas de cidades brasileiras do interior serão fantasmas dentro em alguns anos, pois as respectivas populações diminuem, cada dia. Famílias inteiras buscam grandes centros de agitada vida social, surgindo as megalópoles, sempre despreparadas quanto a planejamento para que possam abrigar, em pouco tempo, milhares de novos habitantes. Típico o exemplo de Brasília. Nacional o problema de inchação demográfica, sobretudo nas capitais, em que o espaço urbano se torna angustiado para veículos fumacentos e pessoas perambulantes e ociosas, que, ao deus-dará, secam mais ainda cambitos, fisionomias cansadas, em busca do nada. Nos grandes centros populacionais brasileiros prevalecem os espigões ou arranha-céus sem conforto e sem segurança para os afortunados. Nos bairros residenciais há o exibicionismo das mansões de muitos quartos, terraços e banheiros.

Trata-se do luxo ostentatório, ao lado de casebres de taipa, de palha, com privadas de buraco. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Teresina e outras, tornaram-se, em três ou quatro décadas, inabitáveis, por efeito de criminosa especulação imobiliária e da fuga de milhares das cidadezinhas e povoados interioranos a procura de emprego - todos fugindo da fome e da exploração a que se submetem, sem terra, sem alimento e já agora sem os coronéis, substituídos pelos doutores do society da cidade grande, que se elegem com o dinheiro dos pais milionários ou da herança, e assumem compromissos apenas com a clientela familiar ou com os amigos do peito. Os eleitores de cabestro conseguem, quando muito, a bóia e o transporte no dia da eleição. As megalópoles crescem do nascer do sol até de madrugada, rodoviárias a despejar pais e filhos chegados das quase cidades do interior. A vida de fazenda e dessas comunidadezinhas só existe por causa da televisão convocadora para o sexo fácil e o luxo fantasioso das superpovoadas coletividades nacionais. O dono dos bois aufere os lucros esparramado no macio conforto duma sala de estar, com serviço de bebidas alcoólicas ao lado. Aos contingentes de párias - apetite embotado por descostume de comer, meninos de pança inchada, olhos remelentos, mulheres de 20 anos semelhando 40, pai escaveirado, mãe desdentada e de ossos chupados por força de tanto parir - se reservam as favelinhas que eles improvisam em terrenos alheios, as áreas debaixo das pontes sobre rios, ou as afrontosas casas vendidas pelo Banco Nacional de Habitação, verdadeiro sorvedouro dos ínfimos ganhos desses pobres diabos, que o capitalismo apelida de filhos de Deus. Surgem, assim, os conjuntos habitacionais - milhares de casinholas, todas do mesmo jeito, em que se alojam famílias de cinco ou mais pessoas, e dentro nelas se fabrica mais gente. Com o tempo, esses pombais se vão enriquecendo de biroscas, prostíbulos, de venda de tóxicos, de freges. Meninas de 10, 12 anos são exploradas e iniciam a vida sexual antes que possam conceber no ventre um filho de pai desconhecido. Nas residências, a  promiscuidade - casais em cenas de relações íntimas na presença da filharada boquiaberta com o espetáculo. Teresina não foge a regra. Os conjuntos habitacionais espalhados pelos subúrbios, feiosos, emprestam à cidade panorama urbanístico condenável e alguns felizardos enriqueceram da noite para o dia, como um passe de mágica, com a venda de terrenos para a construção desses ajuntamentos, em cujas casinholas não se distinguem cozinha, dormitórios e sanitários. São milhares de pombais, por toda parte. Sejam cinco pessoas em cada qual, com a estimativa de duzentos mil moradores, quase a metade da população da capital do Piauí. Raros os empregos na área de moradia. O raquítico salário mínimo do trabalhador, quando arranja emprego, mal dá o transporte. Até quando, no Brasil, o homem sofre tanto? As sociedades doentes assim se apresentam: filhos de Deus, milhões de enteados dele, filhos da injustiça social.


A. Tito Filho, 08/08/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

MÉRITO

Seria exaustivo relacionar todos os episódios de lutas que se têm verificado no Brasil, desde a fase colonial até os dias atuais, cada qual apoiado sobre causas, que os historiadores, no passado como no presente, procuraram revelar e interpretar - e muitos desses episódios ainda se encontram em processo polemico. A grande Revolução Industrial do principio do século XIX provocou profundas transformações na sociedade dos homens. De feito, a máquina tornou-se responsável pelo poder industrial, que desorganizou a família, baseou a riqueza das nações no combustível, comercializou o afeto - base da educação - e derribou estruturas seculares.

O Brasil não poderia fugir da sua influencia. A abolição da escravatura, e conseqüente adoção do regime republicano, promanou da civilização industrial. Da instituição da República até hoje, o país vive instavelmente, com a queda de homens do poder, se se analisam superficialmente as causas. O período republicano bem atesta a afirmativa. É que o ciclo rebelde brasileiro ainda não se completou, e só se completará quando os desequilíbrios sociais, a injustiça social, a fome sejam vencidos, com o estabelecimento de processos humanos de vida - a abdicação do inumano pela valorização do homem.

Quantas quarteladas brasileiras de 1922 a esta parte? Talvez elas tenham origem próxima na pregação civilista de Rui, que contagiou os moços, civis e fardados. Do Rui-profeta, que se antecipou a Getúlio Vargas na luta contra a exploração do homem pelo homem.

Ainda se registrarão as causas profundas dos movimentos de 1922, 1924, 1930, 1937, 1945 e 1964. Movimentos de homens em armas, mas feitos por cérebros interpretadores da inquietação e da angústia do brasileiro, inconsciente ainda dos direitos e deveres que lhe outorgaram constituições políticas feitas em gabinetes, bem distantes da realidade nacional.

Nesta apreciação não sou movido pela idéia de analisar tais movimentos, nas suas causas remotas e próximas. Cabe-me ressaltar pesquisas dos fatos que integram as manifestações de 1922 a 1931 no Piauí feito pelo General Moysés Castelo Branco Filho, uma das figuras ilustres da terra piauiense pela dignidade moral, pelo civismo, pela inteligência cultivada, pelo amor ao estudo - professor como raros, matemático acatado, apaixonado da história e dos seus processos de investigação e análise - a sua obra bem comprova a operosidade intelectual e os conhecimentos seguros e sérios de que se compõe a personalidade do autor - para lição de história com a verdade que soube testemunhar e documentar e a pesquisa que a busca da verdade lhe atribuiu para comprová-la, em toda a plenitude. Moysés deixou um vazio enorme quando se despediu desta vida.

Conciso e preciso como narrador, desprezando pormenores enjoativos, o General Moysés Castelo Branco Filho, num estilo simples, linguagem polida e asseada, escreveu livro de contribuição à história do Brasil, para, no meu entender, revelar parte do ciclo militar brasileiro - uma das mais importantes - a que principia em 1922 e que prossegue, depois de desaguar no movimento de 1964.

Livro honesto e sério a "História das Revoluções no Piauí", sobressai nele a fixação dos caracteres humanos dos que participaram nas lutas partidárias no Piauí - cenário de paixões, de choques de personalidades, de prestígio de clãs. O trabalho de Moysés Castelo Branco Filho é contribuição de mérito para que se conheça o processo revolucionário brasileiro.


A. Tito Filho, 07/11/1990, Jornal O Dia

POLUIÇÃO VISUAL

Faz alguns anos fiz apelo ao prefeito de Teresina, não me recordo quem na época desempenhava o cargo, no sentido de que não fosse permitida a colocação de faixas de anúncios indicativos de casas comerciais ou escritórios, de tabuletas de propaganda e de outros tipos de aviso, sem que antes houvesse a aprovação da autoridade para tal fim designada. E transcrevi expressões copiadas de anúncios e cartazes com evidentes desobediências a princípios ortográficos e até solecismos condenáveis e erros crassos que tanto depunham contra a educação cultural do teresinense. Indiquei algumas dessas estapafúrdias escrituras: BORRAXEIRO, RESTAURANTE FÁLASE OTEL e tantos mais. Não obtive providência alguma e a cousa ficou pior.

Agora, o Dr. Moacir Fernandes de Godoy, cardiologista de ciência e de ilustração, me propicia a satisfação de censurar vergonhosa construção de nossa língua, no centro da cidade, tornando mais pobre a inteligência de um povo digno de melhor sorte.

EDUCAR É PRECISO - eis o trabalho cívico desse médico preocupado com a triste ignorância que avilta a língua pátria, a seguir transcrito.

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O Professor William J. Bennet, doutor em Filosofia pela Universidade do Texas, questionado sobre a finalidade da educação, afirmou que ela é a maneira pela qual a civilização se sustenta”. E complementou: “Não nascemos com instintos para a civilização. Não entramos no mundo dos alfabetizados ou conhecedores da diferença entre o certo e o errado. A educação, ou seja, a tarefa educativa de pais, professores e da sociedade como um todo, é o modo pelo qual cada nova geração se transforma em uma geração adulta de homens e mulheres”.

Fica claro, do acima exposto, o importante papel a ser desempenhado não só pelos professores ou pelos pais, como também a obrigação que a sociedade tem como um todo de contribuir para formação educacional dos indivíduos. Esse esforço conjunto recebe um destaque ainda maior quando, compulsadas as estatísticas, verificamos que o Brasil situa-se em uma incômoda posição em termos de analfabetismo. Assim é que os dados demográficos de 1980 indicavam a existência de 51% de analfabetos no País. Por aquela época ocupávamos um sofrível septuagésimo sétimo lugar em nível educacional de acordo com dados da UNESCO. Em termos regionais e mais recentes, sabe-se que o Piauí detém o índice recorde de analfabetismo no Brasil, com a alarmante taxa de 55%. O próximo censo, infelizmente, não deverá mostrar modificações para melhor.

Nós os privilegiados, que conseguimos escapar deste estigma cruel, não podemos nos enclausurar voltando as costas aos desfavorecidos. Ao contrário, devemos aproveitar todas as oportunidades para tentar diminuir as diferenças atuando como educadores mesmo onde não pareça haver espaço para tanto.

Refiro-me agora ao assunto propriamente dito, motivos destes breves comentários. Tenho observado com freqüência (e fotografado), nas faixas penduradas pela cidade, erros gramaticais grosseiros, que depõem contra os que as produziram ou solicitaram, mas, acima de tudo, causam um extremo desserviço, já que sendo públicas podem induzir aos menos preparados considerá-las como corretas. Uma dessas faixas, porém, causou-me especial mal-estar por ser alusiva a um evento médico e em sendo médico senti-me responsável também pelo grave equívoco ali perpretado.

Lá esta ela, em local estratégico, na Avenida Miguel Rosa, quase em frente ao Corpo de Bombeiros e bem próxima a duas escolas de primeiro grau, informando em letras garrafais que os Congressistas eram "BEM VINDO" ao I Simpósio de "SIRURGIA"... e outros dizeres que não vêm ao caso no momento.

A falha na flexão numeral e a falta do hífen são erros menores, perdoáveis até, embora não justificados uma vez que a responsabilidade pela faixa é, no caso, de indivíduos com grau universitário e, pelo que se supõe do assunto, com nível de especialização. Já a palavra cirurgia com "S" fere pelo grotesco e não pode passar nem como lapso de quem a produziu.

Entende-se que obviamente não foram os médicos os que diretamente erraram mas era imperativo a existência de um responsável pela revisão a fim de que o nome da Instituição não ficasse exposto ao ridículo. Aliás, minha sugestão é a de que a Prefeitura de Teresina, através de sua Secretaria de Educação, mantenha uma comissão encarregada de analisar as faixas que são espalhadas pela cidade a fim de que erros de tal natureza não tornem a acontecer.


A. Tito Filho, 04/09/1990, Jornal O Dia

sábado, 21 de janeiro de 2012

NARRATIVA

Mês passado, faleceu em Teresina Josípio Lustosa, meu conterrâneo de Barras, onde, na minha meninice, eu o conheci, na labuta de ganhar o pão diário. Comerciante modesto. Montou certa vez padaria - a Padaria Baliza, e um caboclo descalço, mal o sol abria o olho, manhãzinha, saia pelas ruas a gritar, na cidadezinha ainda quase adormecida - ÓIA OS POMBALIZA, arremedo de PÃO BALIZA. O arranjo um bocado profano do vendedor mexia com a santa moral das velhotas rezadeiras e das castas donzelas barrenses. O pão tornou-se maldito, recusado, a greve geral levou Josípio a fechar a pequena fábrica. Com a subida de Leônidas Melo ao governo do Piauí, veio ele para Teresina. gostava de mulheres. Não enjeitava rabo-de-saia e nunca negou a filharada que pôs no mundo sem as rezas da legitimação, com o registro de filhos naturais, numa época de preconceitos sociais absurdos, felizmente varridos das certidões cartoriais.

Josípio Lustosa venceu. Fiscal de rendas do Estado, o cargo mais ambicionado noutros tempos. Quando Petrônio Portella conquistou o governo, escolheu Cleanto Jales de Carvalho secretário da Fazenda e Josípio Lustosa diretor-geral do Departamento da Fazenda, cousa assim, mas os dois não se cheiraram bem, discreparam nos métodos e se desavieram, o que levou o último a exonerar-se.

Corria o ano de 1963. Petrônio estava de namoro político com o presidente João Goulart, enquanto Josípio rompera com o governante piauiense e o combatia ferozmente nas colunas do jornal "Estado do Piauí", de que era proprietário e diretor.

Chegou 1964. No dia do chamado movimento militar, o governador do Piauí emprestava irrecusável solidariedade a João Goulart, que, ao cabo de contas, padeceu deposição e retirou-se do país. Veio a famosa revolução redentora e a respectiva caça às bruxas, isto é, aos elementos comprometidos com Goulart, comunistas, esquerdistas, pelegos e outras denominações em voga. Josípio abria as torneiras jornalísticas para denúncias contundentes contra Petrônio, que resolveu processar o atacante usando a própria legislação dita revolucionária. Nomeou comissão de inquérito, integrada do Secretário da Segurança, do Comandante da Polícia Militar, do Procurador Geral da Justiça e mais uns dois, designando a composição pelos cargos, ou pelos que os ocupassem. Aconteceu que o Procurador Geral da Justiça era Darcy Araújo, amigo de Petrônio e de Josípio, não se sentia bem na função. Pediu licença. O substituto do licenciado no cargo e na comissão tinha o nome de Anísio Maia, mas estava afastado das boas graças oficiais. Não merecia confiança. Assim, o governador resolveu nomear para o lugar Antônio José da Cruz Filho, desrespeitando o próprio decreto governamental de substituição hierárquica.

A comissão de inquérito realizou os trabalhos e concluiu que Josípio praticara, no exercício de cargo público, atos censuráveis. Sugeriu a demissão a bem do serviço público, o que foi dito.

Josípio, uns meses antes, me havia dirigido ataques fortes no seu jornal. Mesmo assim, mandou pedir-me audiência. Recebi-o cordialmente. Desejava os meus serviços no remédio heróico do mandado de segurança. Acatei a questão. Fui vitorioso em liminar do relator no Tribunal de justiça do Piauí, desembargador Otávio Rego. Poucos dias depois, a maioria dos desembargadores me derrotava por 7 a 2. Recorri. Bati às portas do Supremo Tribunal Federal e ganhei o caso Josípio por unanimidade. Magnífico o voto de Evandro Lins e Silva como relator.

O movimento que derrubou Goulart proibiu que o Judiciário examinasse o mérito das acusações, mas lhe era permitido o exame das questões extrínsecas. Foi por onde ganhei. O Supremo não pôde julgar se eram certas ou erradas as acusações. Não consentiu, porém, que se anulasse o modo de compor a comissão de inquérito: o substituto do procurador geral da Justiça seria o 1º procurador da Justiça, no caso Anísio Maia, nunca o promotor Antônio José da Cruz Filho. Anulou-se o processo. Josípio voltou ao cargo de fiscal de rendas, recebendo os atrasados. Nada lhe cobrei pelos meus serviços.

Josípio foi simples, corajoso, honesto. Isto basta.


A. Tito Filho, 27/03/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

CAVALO BRANCO

Tempos de apaixonados debates na Assembléia. discutia-se e votava-se a Constituição do Piauí. PDS e UDN - esta com minoria - entravam em desaforos constantes. Orador de largos recursos, o deputado Lustosa Sobrinho comandava os udenistas. De outro lado estava um dos deputados mais inteligentes dessa época agitada da política piauiense. As suas transferências, cheias de verve e ironia, provocavam risos e desarticulavam o adversário.

Um dia, Lustosa, no combate, pronunciava discurso inspirado, estudando juridicamente os artigos da Constituição. E fazia citações eruditas. Em determinado momento, a plenos pulmões, sustentou:

- E nesse ponto, sr. presidente e srs. deputados, invoco a figura oracular de Rui Barbosa, mestre de todos nós...

Ouviu-se a voz do combativo deputado Antônio de Sousa:

- Dá licença um aparte?

Lustosa praticou grave erro. Suspendeu a oração para dar o aparte. E o aparte veio para liquidar o orador, com a risada da platéia:

- Vossa Excelência está dizendo que Rui Barbosa foi mestre de todos nós. Pelo menos não foi meu, pois só tive um mestre, aliás uma mestra, a professora Maroca de Piracuruca...

X   X   X

O órgão "O Piauí", que defendia os interesses da União Democrática Nacional, usava linguagem violenta contra os adversários do Partido Social Democrático do jornal pessedista seguia o mesmo caminho. Trocavam-se descomposturas e xingamentos. Nada se respeitava, ao menos a vida privada. Nesse clima se votava a Constituição do Estado.

Um dia o jornal udenista publicou, em primeira página, debochativo artigo contra o deputado Antônio José de Sousa, acusado, ali, de palhaço ganhador de subsídios sem trabalhar - e pior, sustentava o órgão de imprensa, é que Cavalo Branco nenhuma providência tomava contra o deputado.

Cavalo Branco era o apelido do ilustre e digno deputado Epaminondas Castelo Branco, pessedista de sete costados, presidente da Assembléia.

O jornal circulou de manhã. De tarde, sessão do Legislativo. Antônio José de Sousa pediu a palavra para criticar o jornal. Calmo, risonho e espirituoso, começou:

- Aqui se diz que sou palhaço. Ora, sr. Presidente, na vida só tenho praticado atitudes sérias. Quem me conhece pode atestar o fato. Nunca enganei ninguém. Sou fiel à minha palavra e aos meus compromissos.

Ajeitou de novo os óculos e leu outro trecho:

- O pasquim sustenta que eu ganho nesta Casa sem trabalhar. Ora, sr. Presidente, todo cia ocupo esta tribuna para defender os interesses do Estado. Não falto as sessões. Nas comissões técnicas dou conta das atribuições que me são confiadas. Jamais faltei ao cumprimento de meus deveres.

Outra vez ajeitou os óculos e leu:

- O pasquim diz mais que o Cavalo Branco nenhuma providencia toma contra mim. Bem, sr. Presidente, este negócio de Cavalo Branco é com o senhor. O senhor se defenda...

E encerrou o discurso.


A. Tito Filho, 07/10/1990, Jornal O Dia

CARNAVAL

Mais um carnaval se brincou neste fevereiro de 1990, uma festa ruidosa, em que os excessos transformaram as saudáveis brincadeiras de antanho num espetáculo de luxo e luxúria, oficializado por toda parte, subvencionado pelos poderes públicos e pelos banqueiros do jogo do bicho, em conluios com empresas industriais e comerciais para a aferição de lucros milionários. Não existem mais as batalhas de confete, desapareceu a serpentina, aboliram-se o corso, os cordões, os blocos. Vigora a escola de samba, de milhares de figurantes e despesas astronômicas, nos grandes centros, como no Rio e São Paulo, anualmente a mesma cousa, as mesmas personagens, artistas de projeção no cocoruto de carros enfeitados, as atrizes nuas ou quase como nasceram, peitarras já um tanto desfalecidas à mostra. Rotina. Todos os anos, o espetáculo se repete. Porta-bandeira, mestre-sala, comissão de frente, baianas, bateria, quanta invenção. No Rio, este ano, dançou e pulou no sambódromo uma mulher grávida, com certeza aplaudida pela turba, sem que ninguém se comovesse dos sacolejamento do infeliz pimpolho no ventre materno. A futura mãe, pançona de fora, achou que o melhor meio de alcançar o estrelato estava no efêmero triunfo da heroína espalhafatosa e ridícula. A partir das onze da noite de terça-feira até cinco da manhã de quarta-feira de cinzas, as tevês Globo e Manchete exibiram a pagodeira desenfreada dos clubes Monte Líbano e Scala. No primeiro, mulheres despudoradas da alta-roda carioca exibiam a especialidade da casa: bumbuns de garotas e velhotas menopáusicas, seios de fora e um pedaço de pano estreito sobre as antigas partes pudentas da frente. No outro terreiro, o Scala, também no Rio, deu-se o pagode dos gays ricos, pederastas conceituados, da melhor cepa, de luxuosas fantasias, na mais esplendorosa exibição de traseiros deste país. As bacanas romanas ou as salas das cortesãs de Sodoma e Gomorra tinham excelentes reproduções.

Salvador e Recife homenagearam momo em danças de rua, animadas de trios elétricos. Esbanjaram fortunas os poderes públicos para custear a vadiação enlouquecida.

Mas outros estados e municípios procura-se imitar o Rio e São Paulo e apresentam arremedos de escolas de samba, como as de Teresina, de reduzido número de figurantes, carros alegóricos mambembes, desajeitados, algumas caboclas sacudindo as ancas e exibindo os magros possuídos. Pelo meio, alguns veados desengonçados. Vale dizer que o soçaite e a classe média da capital piauiense correm para a pequena faixa litorânea de Luís Correia, a 300 quilômetros de distância, e aí os ricos se banqueteiam em chalés e mansões elegantes, enquanto o grosso dos visitantes vegeta na mais condenável promiscuidade. Em Barras, cidade pobre do Norte do Piauí, a prefeitura subvenciona a festança, e põe na velha rua Grande, hoje Taumaturgo de Azevedo, escolas de samba, enfeitadas de garotas peladas, num meio em que a pobreza passa fome e talvez a professora ganhe ordenado mendigo.

Quanto a administração pública federal, estadual e municipal dissipa nesse folguedos de álcool, exibicionismo de sexo em que se revelam as mais tristes frustrações do gênero humano? Que quantidade de drogas se consome? Qual a estatística dos crimes? Quanta despesa com violência de variada espécie e hospitalizações? Ninguém divulga. Trombeteia-se que o carnaval constitui festa popular, quando tal característica pertenceu ao carnaval de ontem.

Observe-se que a festa de Momo cada vez mais educa o brasileiro para o descumprimento dos deveres. Não mais se reduz a três dias a patuscada, mas esta tem inicio na quinta-feira ou sexta-feira, prossegue sábado, domingo, segunda, terça, quarta-feira corresponde a dia bocejante, de ressaca e remedoria, e o restante de semana equivale a merecido descanso, depois de uma temporada em que muito se fez pelo progresso do Brasil.


A. Tito Filho, 25/03/1990, Jornal O Dia

BOLINA

Mário Barreto disse que cada palavra, na sua origem, exprimiu, como é natural, o conceito concreto a que foi destinada; mas deste conceito primitivo e único, a palavra, umas vezes por irradiação e outras por encadeamento, passou a significar diferentes objetos; mais ou menos relacionados com o primeiro; nestas novas acepções, umas vezes sucedeu que o uso conservou todas, e outras que esqueceu algumas, dando a outras a preferência, e assim vieram a produzir-se, por esta evolução, duas séries de fenômenos: a mudança de acepção de umas palavras, e o desuso ou morte de outras.

Assim se passou com aperitivo, que na linguagem médica de outrora era purgante (de aperire - abrir). Com o passar do tempo, aperitivo veio a significar abridor de paladar. A significação atual é profundamente conexa com a antiga.

Outras palavras tiveram determinado significado, modificado através do tempo, viveram por certo espaço com o novo significado, e morreram, isto é, saíram da linguagem usual do povo. Foi o que aconteceu, por exemplo, com bolina, substantivo feminino, termo registrado por Morais como o cabo prendedor da vela à amurada para que o navio tomasse o vento de banda. Vento à bolina (Morais) era o vento que o navio tomava de lado. Daí o verbo bolinar ou abolinar, ter vento de banda, e também bolineiro, o navio que dessa forma velejava. Abolinar é o verbo mais antigo e está nesta citação que Magne fez de João de Barros: "A caravela não era boa para abolinar".

De alguns anos para cá, nos dicionários aparece bolina também com o significado de contacto voluptuoso e disfarçado com a mulher, ordinariamente em cinemas, teatros, veículos, ao lado de bolinador (o que bolina), bolinagem (ato de bolinar), bolinar (verbo). Ao que praticava o ato se dava ainda o designativo de O BOLINA, mas no masculino, como se vê deste passo com que Nascentes explicou a mudança de significação da palavra: "Bolina, substantivo masculino, é o individuo que, em veículos, platéias, persegue com contatos desrespeitosos as damas. A expressão evidentemente vem da náutica. Andar a bolina é andar de esguelha ou inclinado para um lado. O vocábulo começou a ter voga a partir de 1892, quando se inauguraram os bondes elétricos. A população do Rio de Janeiro costumava, como divertimento, andar naqueles bondes para ter uma sensação nova. Daí os atropelos e o aparecimento dos bolinas. No Rio de Janeiro, o animal homem sempre procura, no bonde, no ônibus, no cinema, uma mulher bonita e ao lado dela se senta, movimentando braços e pernas, para contactos voluptuosos". Artur Azevedo escreveu referência e esses gestos do buscador de sensações: "E fez, com o cotovelo e com o joelho, trabalho digno de um bolina velho".

Bolina foi termo corrente na linguagem da mocidade de 20 anos atrás. Nos encontros de namorados, na obscuridade das salas de projeção, nas esquinas ou recantos mal iluminados, consistia a bolina em alguns amassamentos ou beliscos meio canhestros. Esses amassamentos ou beliscos ainda vigoram nos dias que correm, talvez até mais intensos e menos protegidos dos olhos do público - mas hoje eles são batizados com outros nomes. Bolina ficou nos dicionários. Desapareceu a palavra da linguagem usual, como tantas outras têm desaparecido.

Escritores e dicionaristas abonaram bolina como gesto voluptuoso:

- "Vai ser medonha a pagodeira, vai ser maior a bolinação" (Afonso de Carvalho - Como o Matuto Viu o Zepelin - Revista da Semana - nº 25 - ano 31).

- "E ainda o raio da velha me bolina" (Emílio De Meneses - Mortalhas - pág. 91).

- "Bolinava mulheres em público" (Laudelino Freire - Dicionário).    

- "A sua mania de bolinar desacreditou-o" (Francisco Fernandes - Dicionário de Verbos e Regimes).

Bolina veio do inglês bowline. Em francês é bouline, no alemão bulien, no holandês boelijne.


A. Tito Filho, 28/03/1990, Jornal O Dia

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

MÚSICA

Era dezembro de 1974. Estava governada interinamente a Secretaria da Cultura. Sempre amigo, Armando Bastos, prestigioso auxiliar de Alberto Silva, no primeiro governo do paraibano, sugeriu que eu fosse nomeado para a pasta. Convidado, a principio recusei-a, 15 de março de 1975, tocando-me apenas dois meses e meio, mais ou menos, como titular. Mas Armando me impunha o sacrifício. Pretendia que eu editasse livros e fizesse a festa de reinauguração do Teatro 4 de Setembro. E assim se fez. Obras foram publicadas, e a velha casa de espetáculos, de fatiota nova, recebeu a visita da Orquestra Sinfônica Nacional e do Balé do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Armando Bastos gostava de conferir-me tarefas suarentas. Exigiu de minhas forças a história do Teatro 4 de Setembro. Realizei pesquisas de noite e de madrugada, na Casa Anísio Brito, uns dez dias. Levantei dados e encontrei documentos e registros esclarecedores. Anotei as bonitas representações no querido centro festivo da capital piauiense. Rememorei maestros e maestrinas, compositores, vocações musicais, artistas de instrumentos maravilhosos, as retretas das bandas militares, o mundo encantado de Teresina de antigamente. A mim me parece que pratiquei a primeira história dos instantes da arte musical na capital do Piauí.

Depois, o excelente trabalho de Raimundo rosa de Sá, o popular Cazé, lembraria as peças musicais e os compositores de fama, não esquecendo a inclusão dos temas folclóricos na inspiração dos musicistas.

Meu velho e bom amigo Moura Rego escreveu e a Academia Piauiense de Letras editou Notas fora da pauta, deliciosa história da música em Teresina e da participação dos grandes artistas, inclusive o autor, cujo violino mágico encantava os auditórios.

X

Conheci em Teresina um homem decente, Nereu Bastos, educado, conduta reta, trabalhador, leal, admirado por tantos amigos que soube conquistar. Por força da profissão de funcionário federal, mudou-se para Belo Horizonte, a tranqüila capital mineira dos anos 50, em que ele, para congregar fraternalmente os conterrâneos, fundou o Centro Piauiense, um pedaço afetivo do Piauí nas Alterosas.

Acompanhou-o filho Cláudio Bastos, que, à custa de estudos sérios, conquistou o doutoramento em Sociologia e Administração de Empresas e dedicou-se a pesquisas pacientes e honestas sobre assuntos piauienses, tornando-se estudioso de nosso passado. Tem presentemente duas obras em andamento, de temas novos, um sobre o desenvolvimento da propriedade rural no Piauí e outro sobre a antiga guarda nacional em nossa terra.

Cláudio Bastos veio em julho a Teresina por convite da Academia Piauiense de Letras, com a finalidade de entregar aos estudiosos da terra o seu livro Manifestações musicais no Piauí - Contribuição à história da música, trabalho mais desenvolvido do que os citados e que os completa de certo modo, revelando aspectos expressivos de inspirados compositores interioranos, bem assim das bandas de música que tanta alegria provocavam nos festejos religiosos e sociais. Na obra admiram-se maestros competentes e revela-se o gosto das elites pelas composições clássicas e instrumentos de sopro e de corda dominados por artistas das elites teresinenses.


A. Tito Filho, 28/08/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

PLEITOS

Pertenço a uma geração sacrificada pela truculência das ditaduras desapiedadas, pois não conheço uma só que respeitasse a pessoa humana. Mas muitos governos ditos constitucionais me decepcionaram.

Em 1930 eu era um molecote na primeira ditadura de Getúlio Vargas. O país voltou à normalidade em 1934 e pouco tempo depois novo e cruel processo ditatorial, que prendeu, expatriou, matou, recusou direitos, perseguiu brasileiros. Nunca se puniram os criminosos. Pelo contrário. Cada dia mais eram afeiçoados da alma popular. Derribou-se Getúlio em 1945. Houve eleições em dezembro e nelas votei, para presidente, senador e deputado federal no Rio de Janeiro. Um dos meus votos ajudou a eleger o senador líder comunista Luís Carlos Prestes.

Pretendo nestas linhas mal traçadas anotar as eleições estaduais. Vindo do Rio, cheguei a Teresina a 19 de janeiro de 1947, dia de eleição. Os piauienses elegeram Rocha Furtado e derrotaram o General Gayoso e Almendra. Não votei, pois era eleitor no Rio e só depois fiz transferência do título respectivo para Teresina.

Havia três partidos no Piauí: UDN, PSD e PTB. Formou-se um quarto, o PSP. Nas eleições de 1950, elegeu-se Pedro Freitas, pessedista, derrotando Eurípedes Aguiar, udenista, e Agenor Almeida, pessepistas. O PTB, muito fraco na época, não teve candidato. Participei da campanha ao lado do que foi escolhido.

Nesse tempo, Matias Olímpio abandonou a UDN e engordou o PTB, que, aliado a Pedro Freitas, possibilitou a eleição de Gayoso e Almendra para o governo em que votei.

Politicamente desastrado, Gayoso não soube sustentar a união com os companheiros petebistas e estes bandearam para a UDN, numa poderosa união de forças que consagrou Chagas Rodrigues como ocupante de Karnak, um jovem e impetuoso líder de idéias nobres e novas, que praticou erro fundamental de subestimar o magnetismo pessoal de Petrônio Portella, prefeito de Teresina patrocinado pelo talento político de José Cândido Ferraz. Nas eleições de 1962, o candidato Constantino Pereira foi batido fortemente pelo futuro ministro da Justiça, numa aliança imbatível do PSD com a UDN. Neste ponto se encerrou meu o meu comparecimento às urnas. Criaram-se os biônicos, governadores eleitos por assembléias com organizações partidárias comandadas por generais de estrelas muitas: Helvídio Nunes, Alberto Silva, Dirceu Arcoverde, Lucídio Portella. Nos pleitos diretos se convocaram para os governos estaduais, dos quais safrando vitoriosos Hugo Napoleão e Alberto Silva, este ultimo ainda no exercício do mandato.

Amanhã, 4ª feira, mais um embate eleitoral com quatro candidaturas, duas das quais apoiadas por fortes contingentes eleitorais - os de Freitas Neto e Wall Ferraz, depois de programas e mais programas ditos gratuitos pelos meios de comunicação, com ofensas recíprocas, críticas por vezes tendenciosas, calúnias, processos condenáveis que só a educação espiritual e a desambição de muitos podem suplantar.

Não se deve esquecer a injustiça praticada contra governadores já mortos, homens que não mais podem exercer o direito de defesa. O fato maltratou demais os familiares de homens respeitáveis que não praticaram maldade alguma contra o Piauí e seu povo humilde.

Mais uma vez sou chamado a votar. E cumprirei o dever e exercerei o direito, de consciência tranqüila.

 
A. Tito Filho, 02/10/1990, Jornal O Dia

PUXAÇÃO

Candidato ao governo do Rio de Janeiro em 1982, Leonel Brizola teve em Sebastião Nery extremado defensor das virtudes políticas e administrativas do gaúcho, vitorioso na eleição e governador dos fluminenses por quatro anos. Poucos meses depois de empossado, o elogiador do ex-ídolo, em quem as qualidades positivas haviam desaparecido como num toque de varinha mágica.

Passaram-se os anos. Sebastião Nery, em 1989, foi o mais eloqüente propagandista de Fernando Collor à presidência da República.

Gosto de Joel Silveira, das suas notas de cinco linhas, com as quais fulmina o ridículo e o grotesco dos donos desta República de anões, ou liliputianos, na criação literária de Swift. Pois Joel, um domingo destes, registrou a notícia: Sebastião Nery, num escrito recente, admitiu que o Brasil, na sua história, tem três grandes mulheres: Anita Garibaldi, Ana Nery e Zélia Cardoso de Melo.

E Joel, o sutil Joel, anota que Collor deu a Sebastião um bom empreguinho, de dez mil dólares mensais, em Roma, como adido cultural da embaixada do Brasil.

Lembrei-me de delicioso livro que li no Rio de Janeiro, do mestre incontestável em revelar a ridicularia dos outros, o admirável Nestor de Holanda, autor de O Puxa-saquismo ao Alcance de Todos.

Existem vários tipos de puxa-sacos. Os periódicos, que atuam em homenagem aos chefes, quando se oferecem para fazer as compras da mulher do referido, quando se acabam os cigarros do superior hierárquico. Como se vê, puxem o saco em determinadas oportunidades.

Os puxa-sacos fanáticos funcionam por toda parte. Puxam por vício. Chegam a estados mórbidos.

O puxa ex-officio bajula por obrigação. Muitas profissões exigem bajulador oficial, como os relações públicas, áulicos dos mais competentes. Outros representantes são os capangas, as secretárias, as enfermeiras, as cafetinas, os porteiros, vendedores de livros, os mordomos, os colunistas sociais, e estes dão mas duas ou quatro puxadas por linha tipográfica. Quando escolhem os mais e as mais elegantes a puxação dá excelentes lucros.

Conta ainda Nestor de Holanda que o governador João Pinheiro, de minas, ao assumir o cargo, foi avisado por Lauro Muller sobre os puxadores de saco, sempre perigosos. Tempos depois Lauro perguntou ao governante sobre os bajuladores. E João Pinheiro segredou-lhe: "É uma gente intolerável, mas, seu Lauro, é bom como diabo uma puxada".

No Livro Getúlio me Disse, Armando Pacheco conta que Getúlio achava que os bajuladores não o deixavam em paz. Certa vez o poeta Olegário Mariano procurou convencer o presidente a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. O saudoso Vargas achou impossível a proposta, embora o puxador procurasse convencê-lo de haver escrito livros admiráveis. A eleição seria uma honra para a Academia.

Getúlio explicou que na época não havia uma só vaga. E Olegário insistiu: "O senhor entra no meu lugar, presidente. Eu me suicidarei e Vossa Excelência se candidatará à minha vaga..."

Tipo do puxa-saco fanático. Mas foi nomeado embaixador do Brasil em Portugal. A puxada foi segura. Puxação de mestre consumado no assunto.

Para Sebastião Nery o Brasil, ontem e hoje, possui três mulheres: Anita Garibaldi, Ana Nery e Zélia Cardoso de Melo. Puxa-saquismo ex-officio. Acabará abocanhando embaixada do Brasil em Paris. Ganhando em dólares.


A. Tito Filho, 23/08/1990, Jornal O Dia