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quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

FAVELIZAÇÃO

Dezenas de cidades brasileiras do interior serão fantasmas dentro em alguns anos, pois as respectivas populações diminuem, cada dia. Famílias inteiras buscam grandes centros de agitada vida social, surgindo as megalópoles, sempre despreparadas quanto a planejamento para que possam abrigar, em pouco tempo, milhares de novos habitantes. Típico o exemplo de Brasília. Nacional o problema de inchação demográfica, sobretudo nas capitais, em que o espaço urbano se torna angustiado para veículos fumacentos e pessoas perambulantes e ociosas, que, ao deus-dará, secam mais ainda cambitos, fisionomias cansadas, em busca do nada. Nos grandes centros populacionais brasileiros prevalecem os espigões ou arranha-céus sem conforto e sem segurança para os afortunados. Nos bairros residenciais há o exibicionismo das mansões de muitos quartos, terraços e banheiros.

Trata-se do luxo ostentatório, ao lado de casebres de taipa, de palha, com privadas de buraco. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza, Teresina e outras, tornaram-se, em três ou quatro décadas, inabitáveis, por efeito de criminosa especulação imobiliária e da fuga de milhares das cidadezinhas e povoados interioranos a procura de emprego - todos fugindo da fome e da exploração a que se submetem, sem terra, sem alimento e já agora sem os coronéis, substituídos pelos doutores do society da cidade grande, que se elegem com o dinheiro dos pais milionários ou da herança, e assumem compromissos apenas com a clientela familiar ou com os amigos do peito. Os eleitores de cabestro conseguem, quando muito, a bóia e o transporte no dia da eleição. As megalópoles crescem do nascer do sol até de madrugada, rodoviárias a despejar pais e filhos chegados das quase cidades do interior. A vida de fazenda e dessas comunidadezinhas só existe por causa da televisão convocadora para o sexo fácil e o luxo fantasioso das superpovoadas coletividades nacionais. O dono dos bois aufere os lucros esparramado no macio conforto duma sala de estar, com serviço de bebidas alcoólicas ao lado. Aos contingentes de párias - apetite embotado por descostume de comer, meninos de pança inchada, olhos remelentos, mulheres de 20 anos semelhando 40, pai escaveirado, mãe desdentada e de ossos chupados por força de tanto parir - se reservam as favelinhas que eles improvisam em terrenos alheios, as áreas debaixo das pontes sobre rios, ou as afrontosas casas vendidas pelo Banco Nacional de Habitação, verdadeiro sorvedouro dos ínfimos ganhos desses pobres diabos, que o capitalismo apelida de filhos de Deus. Surgem, assim, os conjuntos habitacionais - milhares de casinholas, todas do mesmo jeito, em que se alojam famílias de cinco ou mais pessoas, e dentro nelas se fabrica mais gente. Com o tempo, esses pombais se vão enriquecendo de biroscas, prostíbulos, de venda de tóxicos, de freges. Meninas de 10, 12 anos são exploradas e iniciam a vida sexual antes que possam conceber no ventre um filho de pai desconhecido. Nas residências, a  promiscuidade - casais em cenas de relações íntimas na presença da filharada boquiaberta com o espetáculo. Teresina não foge a regra. Os conjuntos habitacionais espalhados pelos subúrbios, feiosos, emprestam à cidade panorama urbanístico condenável e alguns felizardos enriqueceram da noite para o dia, como um passe de mágica, com a venda de terrenos para a construção desses ajuntamentos, em cujas casinholas não se distinguem cozinha, dormitórios e sanitários. São milhares de pombais, por toda parte. Sejam cinco pessoas em cada qual, com a estimativa de duzentos mil moradores, quase a metade da população da capital do Piauí. Raros os empregos na área de moradia. O raquítico salário mínimo do trabalhador, quando arranja emprego, mal dá o transporte. Até quando, no Brasil, o homem sofre tanto? As sociedades doentes assim se apresentam: filhos de Deus, milhões de enteados dele, filhos da injustiça social.


A. Tito Filho, 08/08/1990, Jornal O Dia

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