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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

CAVALO BRANCO

Tempos de apaixonados debates na Assembléia. discutia-se e votava-se a Constituição do Piauí. PDS e UDN - esta com minoria - entravam em desaforos constantes. Orador de largos recursos, o deputado Lustosa Sobrinho comandava os udenistas. De outro lado estava um dos deputados mais inteligentes dessa época agitada da política piauiense. As suas transferências, cheias de verve e ironia, provocavam risos e desarticulavam o adversário.

Um dia, Lustosa, no combate, pronunciava discurso inspirado, estudando juridicamente os artigos da Constituição. E fazia citações eruditas. Em determinado momento, a plenos pulmões, sustentou:

- E nesse ponto, sr. presidente e srs. deputados, invoco a figura oracular de Rui Barbosa, mestre de todos nós...

Ouviu-se a voz do combativo deputado Antônio de Sousa:

- Dá licença um aparte?

Lustosa praticou grave erro. Suspendeu a oração para dar o aparte. E o aparte veio para liquidar o orador, com a risada da platéia:

- Vossa Excelência está dizendo que Rui Barbosa foi mestre de todos nós. Pelo menos não foi meu, pois só tive um mestre, aliás uma mestra, a professora Maroca de Piracuruca...

X   X   X

O órgão "O Piauí", que defendia os interesses da União Democrática Nacional, usava linguagem violenta contra os adversários do Partido Social Democrático do jornal pessedista seguia o mesmo caminho. Trocavam-se descomposturas e xingamentos. Nada se respeitava, ao menos a vida privada. Nesse clima se votava a Constituição do Estado.

Um dia o jornal udenista publicou, em primeira página, debochativo artigo contra o deputado Antônio José de Sousa, acusado, ali, de palhaço ganhador de subsídios sem trabalhar - e pior, sustentava o órgão de imprensa, é que Cavalo Branco nenhuma providência tomava contra o deputado.

Cavalo Branco era o apelido do ilustre e digno deputado Epaminondas Castelo Branco, pessedista de sete costados, presidente da Assembléia.

O jornal circulou de manhã. De tarde, sessão do Legislativo. Antônio José de Sousa pediu a palavra para criticar o jornal. Calmo, risonho e espirituoso, começou:

- Aqui se diz que sou palhaço. Ora, sr. Presidente, na vida só tenho praticado atitudes sérias. Quem me conhece pode atestar o fato. Nunca enganei ninguém. Sou fiel à minha palavra e aos meus compromissos.

Ajeitou de novo os óculos e leu outro trecho:

- O pasquim sustenta que eu ganho nesta Casa sem trabalhar. Ora, sr. Presidente, todo cia ocupo esta tribuna para defender os interesses do Estado. Não falto as sessões. Nas comissões técnicas dou conta das atribuições que me são confiadas. Jamais faltei ao cumprimento de meus deveres.

Outra vez ajeitou os óculos e leu:

- O pasquim diz mais que o Cavalo Branco nenhuma providencia toma contra mim. Bem, sr. Presidente, este negócio de Cavalo Branco é com o senhor. O senhor se defenda...

E encerrou o discurso.


A. Tito Filho, 07/10/1990, Jornal O Dia

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