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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

ROMÃO

Júlio Romão da Silva, fisicamente baixote, feio como diabo, toma posse numa das cadeiras da Academia Piauiense de Letras, próxima segunda-feira, 21 deste corrente mês de maio. Mereceu o ingresso na entidade imaginada e criada por Lucídio Freitas. Na amorável Teresina chorou a primeira vez, ao nascer, mais de setenta anos passados. Marceneiro de profissão, fazia apenas mesas e cadeiras, que vendia por alguns cobres com que pagava os amores de cunhãs safadas da beira do Parnaíba. Buscou outras terras. Ei-lo no Rio de Janeiro, onde o conheci na década de quarenta, feito funcionário público e já metido a escreve de estórias no jornalismo carioca. Aprendeu um bando de cousas no decorrer da juventude e da maturidade. Gostava da cana pau-pereira, e dela derramava na garganta boas lapiguachadas. Dançava samba na Lapa, o bairro central de mulatas boas e de malandros gigolôs. Compôs músicas carnavalescas, a exemplo de velhas cantigas como CARREGARAM O MEU PERU, CHAPA BRANCA e CARNAVAL NO BONDE. Gostava do cabaré Porto Rico, de mulheres caras, mas de carnes rijas. Freqüentou muito a Taberna da Glória, para os chopes e sanduiches da madrugada, convivendo com Orlando Silva, Blecaute, e jogadores famosos de futebol. Fez programa de rádio, com lorotas do Piauí. Jogou capoeira e tornou-se bailarino de gafieira. Iniciou vida literária. Participava de rodas de altas figuras como Barbosa Lima Sobrinho, Carlos Lacerda, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Antônio Calado, Joel Silveira, Graciliano Ramos, Oscar Niemeyer. Escrevia em duas revistas célebres na época, "Vamos Ler" e "Dom Casmurro". Ganhou campeonato de bilhar e a amizade de José Lins do Rego. Ouviu lições do famoso Rondon, que o levou a tribos indígenas, para estudos. Aprendeu a Língua dos selvagens e andou pintando o sete na mata com princesas da selva. Fumou com os caciques o cachimbo da paz. Realizou cursos em universidades. Andou pelos Estados Unidos, na Califórnia, em companhia de Patrício Franco. Dedicou-se a escrever livros sobre assuntos de natureza vária. Memória histórica de Teresina. Os nomes tupis na toponímia carioca, obra que o governo da antiga Guanabara premiou. Luís Gama, o negro notável, teve nele o melhor critico literário. Promoveu campanhas cívicas em favor da abolição do preconceito e do racismo. Dedicou-se à arte teatral, influenciado de temas bíblicos, merecendo louvor da Academia Brasileira de Letras para a conquista do Prêmio Cláudio de Sousa, com a peça JOSÉ, O VIDENTE. Outra peça teatral de Romão tem o nome de A MENSAGEM DO SALMO, levada a cena mais de um ano nas casas de espetáculo do Rio de Janeiro. Ainda lhe sobrou tempo para cultivar a poesia, os temas filosóficos, a arte de bem dizer, na língua de certas nações indígenas, como os bororos. Jornalista, conferencista, filólogo. Escritor plural. Voltou a residir na terra onde nasce e nesta Teresina do seu chamego pretende trabalhar, e muito, no terreno cultural. Tenho-lhe amizade e admiração. Para coroamento de uma longa vida de lutas e diversidade de profissões, dançarino de gafieira, servidor público, professor, marceneiro, compositor musical, jornalista, escritor, faltava que fosse pastor, encargo que ele vem exercendo, para colocar ovelhas ruins no caminho certo da verdade e da vida. Júlio Romão da Silva é, em boa verdade, um dos melhores representantes da negritude nacional, um negro culto, genial, abundante de criatividade intelectual.


A. Tito Filho, 17/05/1990, Jornal O Dia

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