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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

CARNAVAL

Mais um carnaval se brincou neste fevereiro de 1990, uma festa ruidosa, em que os excessos transformaram as saudáveis brincadeiras de antanho num espetáculo de luxo e luxúria, oficializado por toda parte, subvencionado pelos poderes públicos e pelos banqueiros do jogo do bicho, em conluios com empresas industriais e comerciais para a aferição de lucros milionários. Não existem mais as batalhas de confete, desapareceu a serpentina, aboliram-se o corso, os cordões, os blocos. Vigora a escola de samba, de milhares de figurantes e despesas astronômicas, nos grandes centros, como no Rio e São Paulo, anualmente a mesma cousa, as mesmas personagens, artistas de projeção no cocoruto de carros enfeitados, as atrizes nuas ou quase como nasceram, peitarras já um tanto desfalecidas à mostra. Rotina. Todos os anos, o espetáculo se repete. Porta-bandeira, mestre-sala, comissão de frente, baianas, bateria, quanta invenção. No Rio, este ano, dançou e pulou no sambódromo uma mulher grávida, com certeza aplaudida pela turba, sem que ninguém se comovesse dos sacolejamento do infeliz pimpolho no ventre materno. A futura mãe, pançona de fora, achou que o melhor meio de alcançar o estrelato estava no efêmero triunfo da heroína espalhafatosa e ridícula. A partir das onze da noite de terça-feira até cinco da manhã de quarta-feira de cinzas, as tevês Globo e Manchete exibiram a pagodeira desenfreada dos clubes Monte Líbano e Scala. No primeiro, mulheres despudoradas da alta-roda carioca exibiam a especialidade da casa: bumbuns de garotas e velhotas menopáusicas, seios de fora e um pedaço de pano estreito sobre as antigas partes pudentas da frente. No outro terreiro, o Scala, também no Rio, deu-se o pagode dos gays ricos, pederastas conceituados, da melhor cepa, de luxuosas fantasias, na mais esplendorosa exibição de traseiros deste país. As bacanas romanas ou as salas das cortesãs de Sodoma e Gomorra tinham excelentes reproduções.

Salvador e Recife homenagearam momo em danças de rua, animadas de trios elétricos. Esbanjaram fortunas os poderes públicos para custear a vadiação enlouquecida.

Mas outros estados e municípios procura-se imitar o Rio e São Paulo e apresentam arremedos de escolas de samba, como as de Teresina, de reduzido número de figurantes, carros alegóricos mambembes, desajeitados, algumas caboclas sacudindo as ancas e exibindo os magros possuídos. Pelo meio, alguns veados desengonçados. Vale dizer que o soçaite e a classe média da capital piauiense correm para a pequena faixa litorânea de Luís Correia, a 300 quilômetros de distância, e aí os ricos se banqueteiam em chalés e mansões elegantes, enquanto o grosso dos visitantes vegeta na mais condenável promiscuidade. Em Barras, cidade pobre do Norte do Piauí, a prefeitura subvenciona a festança, e põe na velha rua Grande, hoje Taumaturgo de Azevedo, escolas de samba, enfeitadas de garotas peladas, num meio em que a pobreza passa fome e talvez a professora ganhe ordenado mendigo.

Quanto a administração pública federal, estadual e municipal dissipa nesse folguedos de álcool, exibicionismo de sexo em que se revelam as mais tristes frustrações do gênero humano? Que quantidade de drogas se consome? Qual a estatística dos crimes? Quanta despesa com violência de variada espécie e hospitalizações? Ninguém divulga. Trombeteia-se que o carnaval constitui festa popular, quando tal característica pertenceu ao carnaval de ontem.

Observe-se que a festa de Momo cada vez mais educa o brasileiro para o descumprimento dos deveres. Não mais se reduz a três dias a patuscada, mas esta tem inicio na quinta-feira ou sexta-feira, prossegue sábado, domingo, segunda, terça, quarta-feira corresponde a dia bocejante, de ressaca e remedoria, e o restante de semana equivale a merecido descanso, depois de uma temporada em que muito se fez pelo progresso do Brasil.


A. Tito Filho, 25/03/1990, Jornal O Dia

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