Quer ler este texto em PDF?

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ

A história da independência no Piauí reclama interpretação. Alguns já procuraram fazê-la. A verdade é que no começo do século XIX a economia brasileira estava abaladissima, bem assim desorganizadas e decadentes as fontes de riqueza: o ouro, os diamantes, o açúcar. Daí as tentativas novas realizadas, desde o chá, que ficaria como uma experiência de luxo, até o café, que se tornaria a peça máxima de resistência econômica. Situação desoladora. Atestam-no as revoluções sem ideais, revoluções platônicas sem ideais, refletindo situações de desequilíbrio orgânico inconsciente. A conspiração mineira atestava a decadência da mineração. As revoluções de 1817 a 1824 revelaram economia instavelmente garantida pelo açúcar que, desde a expulsão dos holandeses perdera no Nordeste a supremacia produtora. O Rio Grande do Sul só a partir de 1823 passou do regime agrícola ao pastoril.

O Brasil, no século XIX, tornou-se o centro de um comércio triangular, unindo-se à África e à Ásia, sem participação portuguesa. Há outras causas que explicam a independência, mas essa foi uma das causas fundamentais.

Saliente-se que o norte do país era satélite de Portugal e representava dois terços da atividade útil do Brasil.

Reinava Dom João VI. Portugal praticamente estava entregue aos ingleses, governado por Beresford. Com o regresso do monarca, houve a pretensão de recolonizar o Brasil, já elevado a reino, e isto feria profundos interesses econômicos.

Retornando a Portugal, em 1821, Dom João VI despachou para o comando das armas do Piauí o oficial português João José da Cunha Fidié, que escreveria, ao depois: "Na ocasião de minha partida, Sua Majestade me ordenou muito positivamente: mantenha-se, mantenha-se" - isto é, conserve o Piauí sob o domínio português. Sabia o monarca que o Piauí era a mais rica das capitanias do norte, rica em gado, fonte de abastecimento, do Sul e do Norte, fonte de riqueza de Portugal. Do Piauí seguia carne para Lisboa. Dominando o Piauí, Portugal dominaria econômica e politicamente o Norte e sujeitaria o Sul. Evitaria o triunfo dos independentes na Bahia, cortando o suprimento de carne.

Portugal arrecadava somas elevadas do gado do Piauí, com grandes prejuízos para os criadores e para os industriais e comerciantes da carne, fazendo que estes sustentassem a causa da independência.

Foi das mais sangrentas a batalha do Jenipapo, às margens do rio do mesmo nome, em Campo Maior, dia 13-3-1823. Embora vitorioso, Fidié viu-se obrigado a seguir para Caxias, baluarte português. Três meses o comandante português resistiu ao cerco de sei mil brasileiros, comandados por Filgueiras e Souza Martins: "resisti - diz ele - até o último apuro, tirando do campo inimigo, a ponta de baioneta, os víveres precisos para sustentar a minha tropa, cheia de fadiga". Manuel de Souza Martins havia proibido gado para o Maranhão.

A Independência no Piauí e no Maranhão - salientou Hermínio Condé - é uma epopéia que não encontra similar em qualquer das campanhas emancipadoras dos povos americanos.

Em 1973, o governador Alberto Tavares Silva homenageou, com as forças armadas, no local do combate do Jenipapo, a memória dos que ali se sacrificaram, 150 anos atrás. No seu discurso, lembrou o governante a lição correta: "Fidié fora mandado ao Brasil para compor, com os outros militares portugueses destacados no Norte, o dispositivo que garantiria a Portugal o domínio de tão vasta porção do território brasileiro. Dominadas pelos portugueses as fazendas de criar do Piauí, estariam os independentes baianos privados de suprimento e de tão vital suprimento estariam igualmente privadas as demais províncias. É fácil entender a importância, para a Coroa Portuguesa, de fazer abortar, ou de esmagar a ferro e fogo, o movimento das independentes no Norte do país, onde quer que se manifestassem".

É necessário lembrar que no Sul a independência foi aplausos e festas. No norte, fome e sangue. A batalha do Jenipapo decidiu a unidade brasileira.

Manuel de Sousa Martins, futuro visconde da Parnaíba, censurou o movimento dos parnaibanos com a proclamação da independência de 19-10-1822. Achou-o precipitado. Lançou a sua culpa a sangueira do Jenipapo. Abdias Neves acredita que aquele foi o momento histórico do rompimento. Outro teria sido o destino do Norte sem a iniciativa dos parnaibanos. Portugal sabia que o Piauí constituía magnífico ponto estratégico para o ataque a outras províncias. O Piauí exportava o gado consumido em Pernambuco, Ceará e Bahia. Houve até o alvitre de que Maranhão, Piauí e Pará formassem um Estado subordinado a Lisboa. Os acontecimentos de Parnaíba alteraram tal plano.

João José da Cunha Fidié foi militar honesto, puro e disciplinado. Inflexível. Nos episódios da independência do Piauí, lhe são atribuídas falhas táticas: haver partido da capital com toda a tropa e material de guerra, para dar combate ao movimento da Parnaíba, onde muito repousou depois de saquear a cidade. Nada combateu. Quando soube da rebelião em Oeiras, quis retornar à capital, mas foi obrigado a travar a batalha do Jenipapo. A ida para Parnaíba foi erro grave como o abandono de Oeiras, sede do governo, sem elementos de resistência. Segundo erro, a demora em Parnaíba. Os independentes enfrentariam incalculáveis dificuldades se Fidié se aquartelasse em Campo Maior ou se tivesse regressado, sem perda de tempo a Oeiras, logo que soube que os independentes da Parnaíba se haviam refugiado no Ceará. O movimento da Parnaíba não tinha raízes populares. Ainda assim, Fidié constituiu grave risco para a unidade brasileira.

De tudo se verifica que o Piauí não aderiu à independência. Constitui-a. neste ponto, há necessidade de revisão de livros de história pátria, notadamente os didáticos, em que deve ser incluído o esforço piauiense na luta da emancipação.


A. Tito Filho, 05/04/1990, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário