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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O CRIME

De primeiro matava-se o sujeito que deflorava a moça-donzela e não queria reparar a dívida. Às vezes o pai da menina dava preferência à castração do indivíduo. Por causa dessas vinganças, provocaram-se lutas de clãs familiares, que se dizimavam. Também o marido enganado matava e continua a matar a mulher adúltera e vice-versa. Surgiu a violência rural de Lampião, Antônio Silvino e outros fora-da-lei que vingavam crimes policiais, Antônio Conselheiro fundou o império de Canudos para defesa de trabalhadores explorados pelos coronéis do cacau.

Ninguém mais segura a violência. Nestes atormentados anos da revolução de 1964 até os dias deste quase final da década de 90, prossegue a luta sem alma, agora entre latifundiários e pobres homens que querem os frutos do trabalho na terra. Institui-se o seqüestro de autoridades, para que se soltassem presos políticos, e de crianças e ricaços, para os lucros do resgate. Nos centros urbanos populosos, roubam-se bancos e empresas para o gozo de gordas fatias financeiras e assaltam-se pessoas e casais para despojá-los de jóias e dinheiros ou a posse carnal da mulher. Chegaria a era do pistoleiro sob contrato para a eliminação de inimigos ou de sócios inconvenientes - estes a fim de proporcionarem riqueza fácil aos mandantes e aqueles para o exercício da vendetta, o crime-cão, o crime-sujo efetuado por tipos que ao menos conhecem a vítima.

Quais as sementes de tanta violência, do ódio, como das ambições vulgares?

Neste atribulado fim de século o homem vive sufocado por pressões de toda natureza, daí a agressividade e os atos anti-sociais. Promove-se o crime no jornalismo pela glorificação dos criminosos aos quais se transmite autoconfiança na conduta violenta. A TV projeta durante horas, dia por dia, as imagens de um mundo perigoso e de um cenário irreal de bens materiais inacessíveis mandando mensagens de conteúdo violento e sexual, e o seu objetivo está em função do consumo ameaçando a cultura. Para todos revela-se o ambiente familiar em desintegração. Tornou-se a droga o elemento encorajador do crime. Os magnatas, os barões do dinheiro têm tudo - mesa farta, bacanais do álcool e prostitutas de luxo, carros do último modelo, viagens nababescas aos centros do turismo internacional, e os miseráveis [que] se conformem com a fome, a habitação desumana, a nudez e a ignorância dos filhos. Nas esferas oficiais, verificam-se os exemplos malsãos de fingimento, das mordomias, dos planos cruzados gerando a desconfiança, do fisiologismo dos políticos sem crédito, a impunidade dos imensos roubos na causa pública.

As cidades turísticas constituem antro de vícios. As suas praias representam centros de prostituição alta e baixa. Os nababos saem do Rio de Janeiro com mariposas alugadas de Paris.

Neste ambiente de vícios e de negação de valores morais e espirituais da falsa cultura brasileira de hoje, do jornalismo sensacionalista, a TV comercializante e forte no prestígio e empresários desalmados, nesse mundo perverso vive o brasileiro, cercado de frustrações por todos os lados - frustrados e sem fé, o brasileiro do salário-mínimo, cujos sindicatos de classe não têm independência ao menos para o protesto, quanto mais para negociar o trabalho e o seu pagamento digno.

Gilberto Freyre contou que os muros antigos tinham cascos de vidros para evitar o roubo de donzelas. Hoje as casas dos magnatas, nos bairros das cidades grandes, têm muros de 3 metros para que se evitem assaltos e assassinatos.

As raízes da violência são visíveis. Até quando elas desafiam a inteligência dos perversos, que negam a justiça social?


A. Tito Filho, 15/08/1990, Jornal O Dia

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