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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

RECONSTRUÇÃO

A 15 de março assumiu o presidente Fernando Collor de Mello, escolhido num pleito em que o povo teve ampla liberdade de votar, embora a campanha tenha oferecido aspectos negativos em temas de envolvimento da honra pessoal dos contendores. À frente do governo republicano, o primeiro mandatário baixou as medidas provisórias julgadas convenientes para sufocar a inflação e liquidar a corrupção, preparando-se o terreno para o cumprimento da terceira promessa do candidato, a extirpação da miséria. Não discutimos o mérito de cada uma delas. A triste verdade, porém, está em que a nação se encontra desacreditada, desmoralizadas as entidades públicas e cada dia mais a desmedida especulação dos ricos sufocava os brasileiros. A desfaçatez e a ganância afundavam o país em males sem conta. A ordem se resumiu no gozo dos poderosos à custa dos bens públicos, na esfera federal, estadual e municipal. Altos funcionários pendurados em privilégios gritantemente imorais. Mansões luxuosas, com dezenas de servidores domésticos, carros oficiais, viagens ao exterior, por conta do país exausto de dilapidações se encontravam à disposição de ministros. Centenas de aparelhos domésticos se atiravam aos porões dos ministérios por causa da condenação das esposas ministeriais. Muitas autoridades gozadoras dessas regalias recebiam medalhas e diplomas de relevantes serviços. Faliu o sistema educacional, por falta de professores e de escolas equipadas para o ensino e a aprendizagem. Viciou-se o burocrata brasileiro no desperdício, na malandragem, na fuga das obrigações, como conseqüência do péssimo exemplo dos chefões e chefetes encarapitados nas funções de mando. Firmou-se o nepotismo. Por toda parte, os poderosos nomeiam para os empregos públicos a esposa e os filhos, os genros, a parentela em geral, um dos mais insolentes assaltos aos dinheiros do povo. Nada existe que funcione em benefício da comunidade. A saúde pública liquidada. Morrem à míngua milhares de patrícios, no dia-a-dia das angústias gerais. Brasília tornou-se o império das benesses nacionais, ao lado de favelas desumanas. Desacreditou-se a Polícia, às vezes cúmplices do banditismo. Desagrega-se a família na capital da República, e por toda parte. Corrompe-se a língua portuguesa nos instrumentos de comunicação. Exploram-se aberrações sexuais. A televisão leva aos lares a concupiscência. Explora-se a nudez da mulher. A jogatina tornou-se desenfreada e explorada pelo governo. O homem saiu do campo em busca das falsas convocações de trabalho e surgiram as megalópoles de problemas insolúveis. O Poder Executivo moralmente fraco, complacente e irresponsável contagiaria o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Deputados e senadores aumentam de vez em quando os subsídios, ao lado do raquítico salário mínimo do trabalhador. Recebem os parlamentares subvenção para despesas de telefone, correio, gasolina, passagens aéreas. A cada parlamentar cabe elevado número de assessores, as amantes, a filharada. Uma orgia de esbanjamento. Do mesmo jeito pratica o Judiciário com o deslavado processo de empreguismo familiar. Cada membro de tribunal tem carro à disposição, Área federal foi imitada na esfera estadual. Os governadores utilizam-se dos cargos para a instituição de regimes de politiquice e engorda de apaniguados. Distribuem a benesse pelo torto e pelo direito. Os legislativos estaduais seguem as diretrizes do Congresso Nacional. Existem ainda os copiadores municipais, prefeitos e vereadores, que assaltam os magérrimos cofres das municipalidades, generalizam-se as pensões a ex-governadores, ex-prefeitos, ex-vereadores, ex-deputados e ex-senadores.

No universo quase total de revoltante assalto à riqueza pública, existem naturalmente as gloriosas exceções. não basta, porém, que se anulem os aspectos negativos do Poder Executivo da área federal, é necessário e urgente que o presidente da República se volte para os outros poderes corrompidos, o Legislativo e o Judiciário, também nos Estados e municípios, a fim de que a moralidade se universalize. O País assiste cada dia com mais intensidade à instituição da violência como forma de protesto dos desgraçados, dos abandonados nas ruas e nas prisões promíscuas e desumanas; dos famintos, dos que fogem da vida por através da droga, dos andrajosos, dos aviltados, dos esquecidos, dos que querem libertar-se da escravatura política e da escravatura econômica, ambas impostas pelas elites do estomago, definição do próprio presidente Collor, num grande momento de confissão da verdade.


A. Tito Filho, 10/05/1990, Jornal O Dia

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