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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

FOLCLORE

Nos meus brincos de infância, em Barras e no velho Marruás, hoje Porto no Piauí, gente idosa, parentas velhas, caboclas da terra contavam estórias bonitas e medonhas, umas de arrepiar cabelo, outras de deleite e encantamento. Quando da adolescência em Teresina, meninos do meu tope se reuniam de noite nas calçadas do médico Benjamin Baptista, conceituado e culto, e cada qual narrava contos de macaco, de onça, de gigantes, de heróis e de bandidos, e um desses colegas era filho do dono da casa, Stanley Baptista, que pela dedicação aos livros e caráter bem formado, se tornaria das mais brilhantes figuras do Exército Nacional. Momentos felizes e alegres; dava gosto vivê-los, e nunca se supunha que eles se fossem, deixando memórias inesquecíveis.

Aos 14 anos de idade comecei a ler romances nacionais e portugueses. Li "A Moreninha", de Macedo, e a obra completa de José de Alencar. Nessa época, Juca Feitosa, figura muito conhecida, rico comerciante, mantinha na capital piauiense loja de várias mercadorias, inclusive livros. Tive oportunidade de adquirir obras lusitanas, algumas de Camilo Castelo Branco e uma, bem me lembro, de exagerado romantismo, "Tristezas à Beira-Mar", de Pinheiro Chagas. Vendia-se também a coleção SIP, constituída de romances de aventura e de amor; que traziam, na capa, dois dedos em forma de V e por baixo do desenho a escrita MIL RÉIS, isto é, cada volume valia dois mil réis, e MIL RÉIS foi a unidade monetária vigorante até 1942. Entre muitos apreciei "A Patrulha da Madrugada" e "Naná". Júlio Verne estava na moda.

Tomava-me de entusiasmo com a sua ficção maravilhosa, que se incorporou à história contemporânea, com a visita do homem à lua. Li quase tudo do admirável francês. Da adolescência tão presente ainda no meu espírito foi a série de publicações TERRA-MAR-E-AR. Livros de tipos bons e tipos maus, em terras estranhas e distantes. Pratiquei leitura de Tarzan, o herói das selvas africanas criado por Edgar Rice Burroughs e pratiquei-a de fia a pavio.

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Com a leitura de "Encanto e Terror da[s] Águas Piauienses", desse mágico Josias Carneiro da Silva, relembro os tempos de menino, delicado com as lendas de bichos e de gente, parecido com as de outras águas do mundão de Deus, assim do jeito do caboclo-dágua do São Francisco, o urutau ou jacaré gigantesco do Paraíba do Sul, o boiúna e o boto do Amazonas.

O folclore mostra a vida coletiva na sua cultura material e na sua cultura espiritual. As águas constituem fontes de lendas, mitos, fantasias, imigrações. Na Bahia, os pescadores celebram o despacho da mãe-d'água, cerimônia mágica em que se atiram oferendas ao mar para que aquela personagem mística os liberte de infortúnios na pescaria. A tradição mediterrânea está nas sereias, a que Homero se referiu. A Iara tem encantos irresistíveis, que o genial piauiense José Newton de Freitas pôs num poema, ao cantar o jangadeiro: "Enquanto seus filhos/ficaram chorando/ele está morando/beijando, beijando/a iara bonita,/no fundo do mar".

No livro se salienta o paciente pesquisador Josias Carneiro da Silva e se revivem monstros aquáticos, que a tradição recolheu e guardou. Mas Josias Carneiro realiza o mais brilhante estudo com o cabeça-de-cuia, que o talentoso piauiense João Alfredo de Freitas colocou em "Lendas e Superstições do Norte".


A. Tito Filho, 29/11/1990, Jornal O Dia

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