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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

PUXAÇÃO

Candidato ao governo do Rio de Janeiro em 1982, Leonel Brizola teve em Sebastião Nery extremado defensor das virtudes políticas e administrativas do gaúcho, vitorioso na eleição e governador dos fluminenses por quatro anos. Poucos meses depois de empossado, o elogiador do ex-ídolo, em quem as qualidades positivas haviam desaparecido como num toque de varinha mágica.

Passaram-se os anos. Sebastião Nery, em 1989, foi o mais eloqüente propagandista de Fernando Collor à presidência da República.

Gosto de Joel Silveira, das suas notas de cinco linhas, com as quais fulmina o ridículo e o grotesco dos donos desta República de anões, ou liliputianos, na criação literária de Swift. Pois Joel, um domingo destes, registrou a notícia: Sebastião Nery, num escrito recente, admitiu que o Brasil, na sua história, tem três grandes mulheres: Anita Garibaldi, Ana Nery e Zélia Cardoso de Melo.

E Joel, o sutil Joel, anota que Collor deu a Sebastião um bom empreguinho, de dez mil dólares mensais, em Roma, como adido cultural da embaixada do Brasil.

Lembrei-me de delicioso livro que li no Rio de Janeiro, do mestre incontestável em revelar a ridicularia dos outros, o admirável Nestor de Holanda, autor de O Puxa-saquismo ao Alcance de Todos.

Existem vários tipos de puxa-sacos. Os periódicos, que atuam em homenagem aos chefes, quando se oferecem para fazer as compras da mulher do referido, quando se acabam os cigarros do superior hierárquico. Como se vê, puxem o saco em determinadas oportunidades.

Os puxa-sacos fanáticos funcionam por toda parte. Puxam por vício. Chegam a estados mórbidos.

O puxa ex-officio bajula por obrigação. Muitas profissões exigem bajulador oficial, como os relações públicas, áulicos dos mais competentes. Outros representantes são os capangas, as secretárias, as enfermeiras, as cafetinas, os porteiros, vendedores de livros, os mordomos, os colunistas sociais, e estes dão mas duas ou quatro puxadas por linha tipográfica. Quando escolhem os mais e as mais elegantes a puxação dá excelentes lucros.

Conta ainda Nestor de Holanda que o governador João Pinheiro, de minas, ao assumir o cargo, foi avisado por Lauro Muller sobre os puxadores de saco, sempre perigosos. Tempos depois Lauro perguntou ao governante sobre os bajuladores. E João Pinheiro segredou-lhe: "É uma gente intolerável, mas, seu Lauro, é bom como diabo uma puxada".

No Livro Getúlio me Disse, Armando Pacheco conta que Getúlio achava que os bajuladores não o deixavam em paz. Certa vez o poeta Olegário Mariano procurou convencer o presidente a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. O saudoso Vargas achou impossível a proposta, embora o puxador procurasse convencê-lo de haver escrito livros admiráveis. A eleição seria uma honra para a Academia.

Getúlio explicou que na época não havia uma só vaga. E Olegário insistiu: "O senhor entra no meu lugar, presidente. Eu me suicidarei e Vossa Excelência se candidatará à minha vaga..."

Tipo do puxa-saco fanático. Mas foi nomeado embaixador do Brasil em Portugal. A puxada foi segura. Puxação de mestre consumado no assunto.

Para Sebastião Nery o Brasil, ontem e hoje, possui três mulheres: Anita Garibaldi, Ana Nery e Zélia Cardoso de Melo. Puxa-saquismo ex-officio. Acabará abocanhando embaixada do Brasil em Paris. Ganhando em dólares.


A. Tito Filho, 23/08/1990, Jornal O Dia

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