Quer ler este texto em PDF?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CRÍTICA

Sobre o livro de Cunha e Silva, o escritor Vasques Filho publicou o seguinte, em Tribuna do Ceará, de Fortaleza, edição de 8-2-1990:

"Gentileza da Academia Piauiense de Letras, recebemos A REPÚBLICA DOS MENDIGOS do consagrado jornalista e acadêmico CUNHA E SILVA nosso conhecido de longas datas.

O volume tem boa apresentação gráfica, com encadernação excelente e até sofisticada, foi editado em 1984, 135 páginas de bom conteúdo, com apresentação de Cunha e Silva Filho, enquadrado pelo autor no gênero de novela. Cunha e Silva criou a personagem principal do livro, Simão Lopes, a partir da migração dos pais, cearenses, em tempo de seca, que terminaram por serem proprietários de terras às margens do rio Poti, as quais, por ele herdadas, e possuído de caráter humanitário, as transformou em uma república de mendigos, recolhidos nas ruas, dando-lhes significativa dignidade, e, pouco a pouco, chegando a uma comunidade praticamente auto-suficiente, na intenção de formação de uma comunidade modelo, em que nada faltasse. Com muitas digressões sócio-filosóficas, com citações de autores e de personalidades reais, o que seria ficção, no início, nas intenções do autor, vai-se tornando uma exposição sociológica do real, tendendo a comunidade, que deveria ser inatacável, para os lados de um amalgama entre o bem e o mal, sempre bem expostos em linguagem simples, com citações de filosofia e de sociologia, dando nomes de autoridades reais e de filósofos e sociólogos de renome, passando a narrativa, a nosso ver, para mais uma teoria sobre formações comunitárias já existentes no mundo atual. E aqui discordamos de que o conteúdo seja enquadrado no gênero da novela, para se tornar num ensaio de valor, com a forma de narrativa jornalística, não fora o autor um dos melhores jornalistas piauienses, por todos consagrado e reconhecido, abrindo, no volume, perspectivas para um debate de grande amplitude social sobre os mais diversos temas sociais e políticos, quanto de regimes autoritários e democráticos de governo, profligando os excessos dos poderes, as injustiças, a irresponsabilidade dos governos, a miséria social não somente regional como nacional e até mundial, no mundo em que vivemos hoje, enquanto canta louvores ao bom desempenho das comunidades bem governadas e bem organizadas, exaltando a prática do dever cívico, do amor ao próximo tão pregado pelo cristianismo, o sentimento filantrópico muito falado mas pouco praticado sobretudo pelas classes de maior poder econômico, tudo no sentido de aprimoramento de comunidades mais humanas, com maior quantidade de virtudes do que de vícios, em que o amor fraterno seja sempre levado em conta por todos os seus membros, desde o governantes e seus governados, do mais rico ao mais pobre.

A nosso ver, Cunha e Silva, ao invés de uma novela, porquanto a ficção é elemento secundário, escreveu um belo ensaio, com fulcro nos estudos filósofos e sociólogos que cita a cada passo da narrativa, valorizando o livro o propósito de bem servir à pátria e à humanidade em geral".


A. Tito Filho, 17/02/1990, Jornal O Dia

terça-feira, 29 de novembro de 2011

CONSIDERAÇÕES

- O professor Lima Cordão tem no prelo mais uma narrativa sobre o Nordeste. Personagens: o aglomerado familiar, um clã nordestino, pessoas do mesmo sangue que se desentenderam por questiúnculas, empenharam-se de oliosidade, e lutam, e se matam, numa carnificina espantosa e impressionante. A velha saga do sertão de anos antigos: Severas lutas partidárias, gerando invejas perniciosas e ambições desmedidas. Coiteiros na tarefa de agasalhar bandidos, e pistoleiros perversos na função assassina por quantia qualquer. O latifundiário sem alma e a terra como patrimônio de poucos. Garotas desvirginadas por coronéis do deboche, ou por rapazelhos filhos deles. Excesso de vigor fisico nos que mourejam de sol a sol, embora subnutridos, à espera de chuva sob o patrimônio divino. O mundo selvagem de caboclos sem lei, desespiritualizados, desconhecedores da leitura e da escrita. Valentões de forró. A faca e a arma de tiro, na inspiração da coragem e brutalidade. Por toda parte o homem enxerga inimigo se se ofendem as suas normas de honra e os tabus de sua fé. O trabalho do professor Cordão caracteriza o Nordeste que se modifica pouco a pouco, de modo lento, e um dia se redimirá quando vencer a ignorância e conquistar condições humanas de vida. O livro, perspicaz, inteligente e de irrecusáveis recursos descritivos e de narração, tem linguagem de vivacidade. O autor mostrou que cada um de nós é o reflexo do seu tempo, do seu meio, de sua forma de viver, do seu sexo, da sua família, como queria Tristão de Ataíde. As páginas revelam que nós somos o que fazem de nós as circunstâncias. História de sertão brabo, que a gente conta mas nunca queria que tivesse acontecido.

- Quando eu era estudante e professor, no dia 21 de abril, data do enforcamento de Tiradentes, se promoviam comemorações cívicas em todas as instituições de ensino. Os mestres rememoravam o sacrifício do principal mártir da independência nacional. Hoje, nada. Talvez a pátria tenha vergonha do quadro de ignorância, violência e miséria em que os maus brasileiros, os donos do poder, transformaram o sonho de Tiradentes.

- Não creio em crime fútil. Futilidade juridicamente não se define. Tem conceito relativo. Nada acontece por acontecer. Às ações humanas correspondem motivos, causas. O que é fútil para o homem educado, pode não ser fútil para o homem cuja educação foi desprezada pela família ou pela sociedade. Na futilidade do código penal devem levar-se em conta o grau de educação do agente, o meio em que vive, a situação em que delinqüiu. Até as palavras variam na sua força imperiosa de camada social.

- Num velório de defunta me perguntaram se mulher quando morre também abotoa o paletó. R. Magalhães Júnior anota que ABOTOAR O PALETÓ é locução carioca nascida da observação de que a roupa dos mortos sempre cuidadosamente se abotoa. A princípio se aplicou ao homem, mas passou aos dois sexos, pois em linguagem se verifica a aplicação de forma genérica das criações populares.

- Leiam "Os Donos do Poder", desse extraordinário Raymundo Faoro, e aprendam que a política vive de mãos dadas ao dinheiro, com ela surgem os advogados administrativos. são sempre gananciosas as raposas elitistas brasileiras, observações que Faoro registra como fatos nacionais desde 1808.


A. Tito Filho, 11/05/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

MEU BOM AMIGO

Quem assina este artigozinho não era nem nascido quando se instalou em Teresina a primeira instituição de crédito, justamente o famoso Banco do Brasil, de empréstimos só para ricos e bem providos de avalistas seguros.

Na década de 1950, ingressei no magistério. Aulas no Colégio Estadual do Piauí, na Escola Normal, no Colégio São Francisco Sales e noutros educandários. Iniciava o trabalho às 7 da manhã, às 13 da tarde e às 18:30, boca da noite. Não me passava pela cabeça possuir automóvel. Ministrava quinze aulas por dia, correndo de um colégio para outro. Os professores ganhavam vencimentos de miséria, nos estabelecimentos oficiais como nos particulares. Por cima de tudo, os proprietários de casa de ensino e o governo efetuavam a paga do labor mensal sempre com atraso. Nem equilibrista de circo conseguia sustentar família por processos tão angustiosos. Os mestres recorriam a agiotas a fim de que vencessem dificuldades e aperturas. Os usuários concediam empréstimos na base de 10, 15 e 20 por cento, exploradores gananciosos, que enricavam depressa na exploração da miséria alheia. Dia de vencimento do vale, chamado de papagaio, o perverso judeu aparecia em busca dos juros para a concessão da nova esfola. Como outros colegas, cheguei a dever a três ou quatro desses sugadores da economia popular ao mesmo tempo. Busquei soluções e me informaram que o Banco Comercial e Agrícola do Piauí poderia salvar-me as finanças. Procurei o estabelecimento, num prédio modesto da rua Barroso, mais ou menos no meio do quarteirão iniciado hoje pela Câmara Municipal. Encontrei facilidade para conseguir cinco mil cruzeiros, desde que meu pai avalizasse o negócio. E assim se fez. Juros baixíssimos. Na época do pagamento, a bondade paterna fez a liquidação da dívida, sem contribuição minha de qualquer natureza.

Melhorei de vida com o correr dos anos. Surgiram oportunidades de outros empregos. Consegui consultoria jurídica na antiga Comissão de Abastecimento e Preços do Piauí. Quando necessitei outra vez do banco, já se havia transformado o conhecido Banco do Estado do Piauí, o BEP, em cujas salas ganhei alegrias e dissabores. Às vezes os empréstimos me eram creditados com rapidez, outras vezes a cousa enganchava. A vitória me sorria ao cabo das contas, pois uns oitenta por cento dos servidores do estabelecimento haviam sido meus alunos diletos e queridos. Alguns funcionários de mando e poder não gostavam de mim. Jornalista quase sempre de oposição a governos piauiense, natural que contra mim se manifestassem antipatias e perseguições. Cousas da vida. A política sempre se mostrou injusta e de má índole, sobremodo quando ela passa aos métodos enodoantes de politicalha. Não me abatiam as recusas. Minha persistência acabava por obter os pequenininhos empréstimos que minhas parcas rendas permitiam. No BEP, porém, estava a minha salvação. Às vezes, fui levado a declarar desaforos aos encarregados das carteiras de empréstimos e os ouvia também, com humildade. Voltava ao equilíbrio emocional e partia para novas rogativas e, ânimos serenados, os dinheirinhos ingressavam nos meus pobres bolsos.

Eu e o BEP somos um romance. Um romance de caracteres que se compreendiam, eu e o banco querido dos piauienses, uma instituição do povo, que salvava a verdureira, o professor quebrado e desenvolvia o trabalho de produção do homem.

Meu bom amigo, o BEP. Sempre meu amigo nas mais ingratas situações de quebradeira. Sem média de depósitos, sem imóveis, sem nada, quantas vezes o BEP me livrou do infortúnio do desconforto de minha família. E não acredito que o Piauí seja ingrato com uma casa miga, onde a bondade dos servidores, os grandes e os pequenos, sempre foram o recurso maior dos necessitados.

Um crime contra o povo o desaparecimento de meu bom amigo. De mim, estou de coração choroso, apertado de amargura. Que os homens tenham dignidade e restituam a vida de meu velho BEP.


A. Tito Filho, 30/07/1990, Jornal O Dia

sábado, 26 de novembro de 2011

ADMINISTRAÇÃO DE TERESINA (2)

A 26 de dezembro de 1889, Gregório Taumaturgo de Azevedo assume o cargo de governador do Piauí. No ano seguinte, 20 de janeiro de 1890, baixou ato, também assinado por Clóvis Bevilaqua, criando, em cada município, os conselhos de intendência municipal. Para os de Teresina foram nomeados os seguintes membros: João da Cruz e Santos, barão de Uruçuí (presidente), capitão Mariano Gil Castelo Branco, barão de Castelo Branco; Teodoro Alves Pacheco, Simplício Coelho de Resende, cônego Tomás de Morais Rego e capitão José Antônio de Santana, ao todo 6 conselheiros. O segundo presidente foi o barão de Castelo Branco.

O Conselho adotou iniciativa de alterar denominações de vias públicas e de administrar os cemitérios, retirando-se da Santa Casa de Misericórdia. Também houve substituição de conselheiros.

Dia de 4 de junho de 1890, Gregório Taumaturgo de Azevedo deixou o cargo de governador. A 27 de dezembro do mesmo ano, depois de outros governantes, assume a chefia do Executivo Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima, que decretou uma constituição para o Piauí, ad referendum do congresso constituinte, que se reuniria no ano seguinte, mês de março. Nessa Carta, de 12 de janeiro de 1891, foram criados os conselhos municipais e os cargos de intendente e vice-intendente em todos os municípios.

A Constituição votada pelos deputados e promulgada a 13 de junho de 1892 manteve os dispositivos acima referidos, de modo que Teresina deveria escolher os seus dirigentes e os seus legisladores.

Mas antes que se verificassem as eleições e a posse dos eleitos, o Conselho de Intendência tomou interessante deliberação, determinando que os habitantes da cidade estavam obrigados, nos dias de sábado, a varrer a frente de suas casas, até o meio da rua.

Registrem-se mais os seguintes acontecimentos: instalação do 35º Batalhão de Infantaria (Exército), o batalhão querido da cidade, que lutou no sul de 1893 a 1896 e em Canudos (BA), onde, de 498 soldados, teve 338 mortos. Em janeiro de 1900 esse admirável corpo de heróis foi transferido para são Luís. No ano de 1891, o Piauí criou a sua primeira loteria (a atual apareceu no governo Chagas Rodrigues) e instalou o Tribunal de Justiça, composto de 5 membros.

A iniciativa particular foi de pouca monta em 1890: criação do Clube dos Artistas (já desaparecido) e do Instituto de Karnak, estabelecimento de ensino secundário, com internato e externato. Fundador: Gabriel Luís Ferreira. Esse órgão educacional já desapareceu.

O primeiro pleito para a escolha do intendente, do vice e dos conselheiros municipais realizou-se a 31 de outubro de 1892. Foram eleitos, com o número de votos entre os parênteses: intendente, Manuel Raimundo da Paz (472), vice, Honório Parentes (473). Conselheiros: militar e proprietário Raimundo Antônio de Farias (472), farmacêutico Alfredo Gentil de Albuquerque Rosa (475), os militares e comerciantes Joaquim José da Cunha (475), Raimundo Elias de Sousa (475), Leôncio Pereira de Araújo (475), Jardelino Francisco Barbosa d'Amorim (475), Viriato Rios do Carmo (369), Francisco da Silva Rabelo (369) e Manuel Lopes Correia Lima (369), poeta e jornalista. Ao todo, 9 conselheiros.


A. Tito Filho, 27/01/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

DESTINAÇÃO

Quando eu era meninote, meu pai se mudou para Teresina, prosseguindo a carreira de magistrado. Ganhava uns trocados, pois juiz naquele tempo não chegava ao salário mínimo destes dias inflacionários. A gente morava numa casa modesta. A cidade tinha vida tranqüila, agradável. Pagava-se aluguel da residência. Mas os bagarotes davam para passar bem de comedorias.

Meu pai percebia ordenados suficientes, da mesma forma que os funcionários públicos da época. Muita simplicidade, não havia festas de aniversários nem de debutação, nem de presentes no Natal e o carnaval se fazia sem despesas excessivas. Inexistiam ricos. Só abastados e a classe média que bem ganhava as suas patacas.

Os conselhos paternos me indicavam que procurasse uma profissão de ganhos razoáveis. Médico, por exemplo. Ou militar, pois o quartel dava a bóia e a roupa de graça.

Eu invejava o trabalho das pessoas. No Bar Carvalho, via a agitação dos garçons, de um lado para outro, servindo café ou refresco e logo pensava nessa profissão. Dia de domingo, eu ia ao restaurante comprar a comida de casa, como queria meu pai, para variar, e observava o cozinheiro Gumercindo a preparar o filé de chapa, em cima da quentura do velho fogão de ferro, cheio de lenha pela boca principal. Logo admitia um bonito futuro como diligente mestre cuca. No tempo de circo, fixava meu desejo maior em ser palhaço ou trapezista. Como gostava muito de picolé, surgia a pretensão de ser picolezeiro.

Cresci. Estudei. Deu-me na veneta de estudar direito. Formei-me. Não gostei de advocacia. Enriqueci-me de inveja pelo jornalismo, pelo magistério e pela literatura. Andei pela política na época em que já começava a correr dinheiro nas eleições. Edgar Nogueira, de grande prestígio, quis que eu fosse juiz no interior. Recusei. Juiz no interior ganhava como funcionário do Piauí, hoje. Não havia asfalto, a fim de que o magistrado das capembas pudesse freqüentar o cabaré da capital. Demais de tudo, esses pobres julgadores de vezem quando entregavam a alma de Deus, baleados pelos chefões do partidarismo.

Tornei-me jornalista e professor. Como jornalista, ganhava descomposturas. No magistério, como nos dias atuais, recebia salário de fome. Consegui ser funcionário público e nunca melhorei de finanças. Ainda agora ganho por mês a besteira de uns quinze mil cruzados novos por mês, sem ter para quem apelar.

Arrependo-me muito. Poderia ter sido político e ganharia rios de dinheiros como deputado. Caso fosse magistrado, seria hoje desembargador, com carro oficial, vantagens, e cem mil bagarotes por mês. Poderia merecer a sorte como dono de jornal, rádio ou televisão, e arrecadar milhões em propaganda oficial. Bastaria a publicidade da empresa piauiense de águas e esgotos, dirigido pelo dinâmico José Darcy Araújo.

Deus devia ter me protegido, ser do sexo feminino e filha solteira de falecido desembargador, para mamar de pensão por mês 40 mil pelegas, sem nada fazer, salvo colocar a dinheirama na poupança.

Banquei o bestalhão. Jornalista, professor, funcionário público. E sempre na miséria.


A. Tito Filho, 23/01/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DENOMINAÇÕES

Contei a história do prefeito de município maranhense, certa feita, doente de puxa-saquismo. Quando Jânio Quadros subiu ao poder, o sujeito deu praça inaugurada o nome do presidente, que, com poucos meses, deixou os palácios de Brasília. Pouco tempo depois, Goulart o substituía e logo o prefeito mudou o nome do logradouro: agora passava a praça presidente Goulart, derribado em 1964. O prefeito achou melhor, diante da instabilidade política, batizar a praça de PRESIDENTE ATUAL.

Teresina foi também rica de chaleirismo ou bajulação. As nossas ruas tinham denominações imperiais. Sucedeu a queda do imperador, em 1889, e o puxa-sacos do Conselho Municipal depressa fizeram as substituições: a rua da Imperatriz passou a Quintino Bocaiúva. Chamou-se Cesário Alvim a rua do Imperador. A praça Campo de Marte tomou nova denominação: praça Floriano Peixoto. Líderes republicanos ganharam homenagens: Benjamin Constant, Campos Sales, Rui Barbosa. A praça Conde D'Eu, genro do imperador, seria Quinze de Novembro. A ânsia de atitudes bajulatórias fez que os legisladores substituíssem batismos tradicionais e populares como rua da Estrela, rua da Glória, rua Grande, rua Bela, rua do Amparo, rua Augusta, rua das Flores, rua dos Negros, rua da Campina, rua do Pequizeiro.

X   X   X

Às vezes a substituição provém da sensibilidade do momento.

Em 1930 dois candidatos queriam a presidência da República: Getúlio Vargas, apoiado por Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, que indicou o vice, João Pessoa, que governava os paraibanos na época. O outro era Júlio Prestes, sustentado por são Paulo e pelo resto dos Estados. A campanha desenvolvia-se sob paixões e emoções. A 26 de julho de 1930 João Pessoa viajou ao Recife, para visita a amigo enfermo. De tarde, sentado a uma mesa da Confeitaria Glória com um grupo de amigos, dele se aproximou o advogado João Dantas, seu inimigo pessoal e político. Sacou de um revólver e disparou três tiros, matando o candidato na chapa de Getúlio.

Manifestações de protesto no país. Luto por toda parte. Apressou-se o movimento quartelesco de 1930, contra o qual já se tinha manifestado o próprio João Pessoa. Com a morte do líder, os rebeldes derribaram o governo de Washington Luís.

Em Teresina, o bonito nome de Aquibadã, assim batizada a praça do Theatro 4 de Setembro, passou a João Pessoa, até que outra lhe dessem, a de Pedro II.


A. Tito Filho, 26/07/1990, Jornal O Dia

domingo, 20 de novembro de 2011

LINGUAGEM BRASILEIRA

Ninguém nega a existência de um linguajar diferente nas populações iletradas do Brasil interiorano, corrompida e desfigurada, mas bem brasileira, sobre a qual houve investigações cientificas de João Ribeiro e Antenor Nascentes, entre outros, bem assim registros de escritores em que a linguagem da plebe citadina e do homem rústico do sertão aparece explorada em seu pitoresco, o que permite avaliar até que ponto a língua dos colonizadores portugueses padeceu com a ação modificadora do povo inculto. Leiam-se as páginas de Valdomiro Silveira, Cornélio Pires, João Lúcio, Catulo Cearense, Leonardo Mota, por exemplo. Deste último transcrevo pedaço de carta de um sertanejo do Piauí:

"Mamãe, Parnaíba é uma cidade monarca, de grande. De menhãzinha se alvoraça tanta gente na beira do rio, qui parece formiga arredó de largatixa morta e quasi tudo é trabaiado caçando ganho. O mercado é outro despotismo: se arreúne mais povo do que na desobriga, quando Padre diz missa na capela dos Morros, da dona Chiquinha. tudo se vende; de tudo se faz dinheiro; fiquei besta de ispiá gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, folha de joão-gome e inté taiada de jirimum.

O passadio daqui é bom. todo dia eu como pão da cidade com mantêga de Reino. Mamãe, as coisa aqui são muito diferente e adversa daí. As casa são apregada umas nas outras qui nem casa de marimbondo de parede e é quasi tudo de telha e forrada de tauba por riba qui nem gaiola de xexéu e qui chama sobrado. Gente rica aqui é em demasia. Inda onte numa loja eu vi uma arma de dinheiro de cobre no chão qui parecia juá, quando se ajunta mode dá pro bode em chiquêro.

Mamãe, a Igreja faz inté sobrôço de gente, grande e alta. Cabe dentro dela todos os morador de Barra das Laje, de Bom Princípio, da Fazenda Nova, e ainda se adquére lugar pra mais de cem vivente. O povo daqui tem um sesto muito engraçado: não diz ô de casa, não! quando chegam nas casa eleia batem palma, como quem estuma cachorro mode acuá tatu em buraco"...


A. Tito Filho, 09/03/1990, Jornal O Dia

LIVROS

Carlos Araújo já deu vazão mais de uma vez à sua vocação literária, mas nunca através de um romance. A história tem a ver a sua vida profissional e, ao mesmo tempo, é pura ficção.

Diversos incêndios de origem desconhecida vêm destruindo grande parte da Amazônia e da mata atlântica, com trágicas conseqüências sobre a ecologia. Quem os provoca? Até que ponto as grandes potências estariam experimentando armas sofisticadas - com base em energia térmica transmitida por raios laser - nestes locais, com os resultados que todos conhecemos? E que fazem as nossas autoridades? Ignoram ou participam do escândalo?

Operação Thermos - Amazônia sugere uma hipótese plausível. Mesmo porque, nessa narrativa, nada é impossível.

Um coronel do Exército brasileiro se lança em missão Internacional secreta para salvar da falência um fabricante de armamentos numa operação em que os brasileiros querem o dinheiro, os americanos precisam de um campo de provas, os russos querem impedir a realização dessa experiência que será mais um passo na famosa Guerra nas Estrelas e finalmente há o amor a nível internacional movimentando uma história que poderia ser verdadeira se não fosse inventada. De quebra, a cessão de uma grande área da Amazônia como campo de provas.

Utilizando a sua experiência, o autor nos faz viajar por diversos países onde se desenrola a ação, num jogo de interesses das grandes potências, que demonstram completo desdém pelos países do terceiro mundo.

As aventuras do coronel Pinaud são de estarrecer, porém mais inesperado e surpreendente é o final da história. Vale a pena...

Carlos Araújo nasceu em Salvador, Bahia, e reside no Rio de Janeiro. Especialista em advocacia internacional, sua atividade se estende por muitos países, cujas línguas fala, algumas mais complicadas, do tipo croácio, esloveno, russo e outras, normais, tipo alemão, francês e inglês. Leitor assíduo de revistas especializadas, tipo Jane's assim travou conhecimento com o mercado de produtos de defesa - sofisma consagrado internacional para material bélico.

Desta ação, Carlos Araújo partiu para a sua vocação, a de redigir fatos e causos, sempre com a mesma dedicação, a mesma vontade de acertar e de conseguir o sucesso que obteve em outras carreiras. De admirar, apenas, que tardado tanto este seu primeiro romance. Mas o próximo já está bem adiantado...

Antes, publicou um livro de poemas, O Inimigo Oculto, e outro, de ensaios, Macumba. 


A. Tito Filho, 17/07/1990, Jornal O Dia

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

EDUCAÇÃO

Desde muitos anos a vida social brasileira se vem deteriorando, dia por dia, nos valores espirituais, sobremodo, e mais do que tudo na ausência de pudor e de honestidade. Vigora o cinismo e o homem não se envergonha dos atos mais condenáveis em busca das bacanais de sexo e álcool e na obtenção de dinheiro a qualquer preço. A alta-roda vive de futilidades, mas goza de privilégios incontáveis, a classe média se extingue na baixa renda e no sacrifício das prestações, sem o necessário para o sustento familiar, e o operário vegeta nas angústias permanentes da habitação desumana e da fome endêmica. Nesse ambiente de fausto e de miséria convivem seres imaturos, principalmente a juventude sem destino, e o jovem rebela-se contra a irresponsabilidade generalizada e passa a hostilizar as instituições, e hostiliza-as no pai, na mãe, no mestre, nas leis, na inteligência, na pátria, com a linguagem decomposta, de que se utiliza para mostrar que a vida não deve ser séria, nem digna, mas uma pilhéria, um deboche, uma pândega, um insulto, de que esse linguajar se torna veículo, intérprete e revelação. A televisão faz com que essa fala se exporte dos grandes centros, onde funcionam as redes de comunicação de massa, para as médias e pequenas cidades e para bibocas interioranas. Hoje se arremedam deformações vocabulares e expressionais das megalópoles em todo o Brasil. A língua do mais estúpido diálogo do novelês, ou português de novela, invade as escolas, os clubes, as reuniões de soçaite, o recinto dos lares, os quiosques de mercado, e por toda parte se ouvem estropiamentos grosseiros, palavrões, na boca de mocinhas sem recato, rapazes, senhoras jovens e matronas que deviam dar-se a respeito. Observe-se a quantidade de vendedoras das praças e das esquinas, redigidas em baixo calão. Os livros se vendem com obediência a nocivo sistema publicitário das editoras poderosas. Não se lê senão o fútil, o exemplo mau para o uso da língua. Professores e alunos renunciaram a prática da leitura, considerada desnecessária nestes últimos tempos. Mas ninguém ignora que se aprende trabalhando. Quanto mais o homem lê, quanto mais pratica a redação, mais fala e escreve com facilidade, mais seguramente transmite idéias. E neste deserto cultural, funcionam as universidades brasileiras, oficiais e particulares, cada vez mais decepcionantes, com mestres improvisados e futuro despromissor. Esses centros de instrução superior e preparo de lideranças instituíram o ingresso por através de um exame vestibular, que se baseia e sustenta num processo de testes mal redigidos, mal feitos, e moços e moças gravitam, noite e dia, em torno deles. Ainda vive o Brasil subserviente coma exigência de inglês ou francês. Que necessidade tem o doutor de saber inglês ou francês? A própria universidade afirma de modo indireto que os dois são desnecessários, desde o instante em que confere ao candidato a prerrogativa da escolha entre uma e outra língua. E por que não se exigem o alemão, o italiano, o russo, o holandês, o chinês, o espanhol, idiomas em que se escreveram e escrevem obras científicas e literárias de conceito universal? O inglês participaria da cultura especializada de quem quer que seja, nunca da compostura intelectual de ninguém. A universidade precisa de novos rumos. De novos horizontes. Não funcionam atualmente como instituições no anticívico portinglês, nas asnices do economês, uma espécie de língua pátria criada pelos famosos economistas nacionais, e no televisês, o português das tevês, estúpido e amoral.


A. Tito Filho, 06/07/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

MANIA

Mais uma mania nacional, a de identificar e discutir as causas da violência no Brasil, sobretudo a urbana. Numa das tevês nacionais, certa apresentadora ajunta certas celebridades duvidosas, psicólogos, sociólogos, atrizes, pintoras, e de modo de sábia Grécia, a coroa lança falação sobre a violência, e os convidados passam a derramar tolices sem conta. Causas, dizem eles, ora pois sim, a impunidade, o cumprimento das penas pela metade porque as cadeias estão superlotadas, a Polícia não presta e outras asnices de igual teor. Não sabem esses doutores o que dizem ou têm interesse em esconder a verdade.

As causas são profundas. havia violência quarenta anos passados? A violência constitui processo de que se utiliza o submundo dos famintos, dos favelados, ou que padecem as tristíssimas conseqüências de uma sociedade plena de injustiça sociais, dividir entre poucos ricaços e milhões de miseráveis. quem desperdiça neste país em viagens maravilhosas, em coquetéis, em futilidades, em festanças, casamentos de luxo, debutações de estroinices? O empresariado de milhões, no momento pagando altíssimos resgates em dólares. Quem fez deste país um covil de ladrões engravatados, bons vivedores à custa do tesouro nacional? Por onde andam os responsáveis pela vida desumana das cidades brasileiras? Em que se transformou Brasília, a loucura de certo presidente preocupado com a glória das glórias de haver criado a monstruosidade do cerrado, em momento angustioso da economia nacional? A Brasília de Lúcio Costa e de Niemeyer resume-se hoje na maior favela do mundo.

Um país em que os inocentes suportam cruel abandono moral, anulando-se papel reservado à família e à escola, não podia ser feliz nem gozar de tranqüilidade. A família e a escola arruinaram-se. As crianças passaram a vaguear pelas ruas, expostas às perversidades de todo gênero. Arremessadas à escola, esta se encontra confiada à mais perfeita irresponsabilidade de falsos governantes e falsos educadores.

Milhões de deserdados, famintos, andrajosos, sem quaisquer direitos na vida, sem lar, sem alimento, sem teto, orientados por uma televisão que protege crime e criminosos, estupros, degeneradores sexuais, o luxo dos marajás, o uísque, só os cegos que não querem ver discutem, na nefasta televisão brasileira, as causas da violência, inexistente quarenta anos através.

Violência é revolta contra as dissipações dos poucos ricos deste país, insensíveis aos dramas da explosão social que se aproxima. A fome é má conselheira. A injustiça gera a vingança.


A. Tito Filho, 22/07/1990, Jornal O Dia

FALSA DEMOCRACIA

Neste 3 de outubro, passei horas diante da televisão, ouvindo depoimentos a respeito do processo eleitoral. Sobre o momentoso assunto, escrevi dois artigozinhos, publicados em O DIA. Os meus comentários bem se harmonizaram com a opinião de líderes partidários de irrecusável prestígio nacional. Cheguei à conclusão de que a democracia brasileira representa irreversível falsidade.

Os programas gratuitos de televisão têm de gratuitos o nome, pois as empresas encarregadas do preparo das imagens e cenários cobram milhões, e ainda se atesta que a Justiça com a mentirosa gratuidade edita a influência do poder econômico na escolha de governantes e legisladores. Muitos advogam que se suprimam tais promoções aberrantes, ou pelo menos que elas se efetuem ao vivo, para exposição de programas e debates em torno de problemas. Se persistem os métodos vigorantes, servirão para cada vez mais desmoralizar os candidatos, sujeitos como ficam às paixões dos adversários.

A verdade insofismável está em que o sistema eleitoral brasileiro se baseia na mais categórica mentira. Elegem-se os que podem dispor de dinheiros aos montes. A lei pretende que os partidos sejam os responsáveis pelas despesas. Leda e cega intrujice. A propaganda efetua-se por processos reclamadores de milhões para pagamento de cartões de luxo, cartazes, montagens de cenários, maquiagens dos disputantes, viaturas de luxo, contratação de cabos eleitorais, compra pura e simples de currais de eleitores, distribuição de presentes. Ajunte-se a isso o crime que praticam as autoridades constituídas quando colocam as máquinas administrativas, inclusive o empreguismo, a serviço das suas preferências pessoais.

As campanhas no Brasil, com raras exceções, se vêem financiadas pelo oficialismo e por empresários poderosos, que exigem o reembolso das despesas por parte dos eleitos,s eja através de contratos lesivos aos cofres públicos, seja pelo apoio, no Congresso Nacional, de leis que ferem os mais caros interesses populares.

Há urgente necessidade de reformas profundas e inadiáveis na legislação eleitoral no Brasil. Observe-se o número de partidos políticos cuja fundação se facilita. Umas vinte ou mais agremiações o ano passado tiveram candidatos à presidência, sem que vários apresentassem as mínimas condições de sensibilizar o eleitorado.

Seria interessante que se examinasse também a circunstância do voto obrigatório. Por que obrigatório? A lei me faculta a prerrogativa de escolher candidatos, mas me fere a liberdade no momento em que me coage a exercê-la. O voto bem que poderia ser apenas um gesto pessoal do cidadão, nunca um dever, mas um direito apenas, que se usa quando a consciência determina.

Vigorou por todo o Brasil o mais triste desrespeito à lei e às deformações da Justiça Eleitoral, com flagrantes episódios de anarquia e inteira ausência de sensibilidade, nos episódios da boca de urna.


A. Tito Filho, 05/10/1990, Jornal O Dia

terça-feira, 15 de novembro de 2011

EMPACOTAMENTO

Estudiosos em geral depõem que a televisão se tornou um processo dos mais ativos para que se inquiete o homem, sobretudo o futuro do homem, a criança, quando deveria ser importantíssimo meio de educar as coletividades para a vida. Observe-se que as novelas, de platéias numerosas e obcecadas, de conteúdo passional e emocional, dia por dia transformadas em coceira nacional - as novelas deformam personalidades, impõem hábitos, ensinam condutas violentas, deterioram a língua pátria. Pior do que as mazelas condenadas, a televisão brasileira vem praticando a perversidade do empacotamento cultural do Brasil, e assim se uniformizam costumes regionais da pátria enorme.

Pouco a pouco desaparecem os agradáveis piqueniques de famílias e amigos, pobres e ricos, substituídos pelo americanizados coquetéis nos clubes, em que a elegância faz que se delicia de salgadinhos sem gosto, enfeitados de rodelinhas de azeitonas e salsichas, bem assim doses duplas de uísque gelado que a propaganda insinua como benfeitor das coronárias. Instituiu-se por força da publicidade a civilização dos enlatados. Sumiram-se as danças típicas, e em lugar delas vigoram os trejeitos, as macaquices, a barulheira e o histerismo do roquennol, que o anticivismo importou dos norteamericanos, que aqui ganham milhões nos festivais de praça pública. A cozinha dos quitutes gostosos dos nossos avós se transformou na fábrica dos pratos sofisticados de denominação estrangeira nos restaurantes de toa parte. O cinema tem fundamento na violência, no sexo, no adultério, na vileza das ações humanas. A criança desconhece as encantadoras estórias da boca da noite, antes do sono tranqüilo. Hoje se educam nos xôs das xuxas. A língua nacional circula deformada no iê-iê-iê da nação inteira. Não há diferença de tratamento no caso dos pronomes TU e VOCÊ. Ambos se põem na mesma frase do indivíduo que conversa com o semelhante. A novela orienta a juventude, a maturidade, a velharia para o desrespeito recíproco. Pais e filhos se xingam e se insultam. Os bicheiros, os assaltantes, os traficantes de droga, os vendedores de crianças ganham admiração generalizada. Aos estudantes servem de exemplo as conquistas fáceis e a facilidade de ganhar dinheiro sem o trabalho correspondente. Dinheiro a rodo lucram os profissionais da esperteza. Protege-se o criminoso e esquece-se a vítima. Não se mostra a atividade honesta, não se elogiam os que cumprem o dever. As bocas deseducadas proferem baixezas como expressões naturais, de pessoas inteligentes e que atuam conforme a moda vigorante. Não se vê na televisão, salvo raramente, a realidade brasileira, o quadro das suas populações sofridas, angustiadas, nenhuma delas, exceto quando raramente se mostram cenários naturais das regiões do país. Desaparecem pouco a pouco as festas cívicas e populares. Até o carnaval carioca, pleno de bom humor antigamente, festa de encantamento e beleza, perdeu as suas características de rua e de clubes, liquidadas pelos bilhões de cruzados gastos na estroinice das escolas de samba de fêmeas peladas e nas baixezas e perversões sexuais dos bailes de degenerados.

A televisão pratica verdadeiro crime espiritual, uniformizando o Brasil. Música, cantoria, cozinha, vestuário, usos, hábitos, costumes, estórias, sexo, brinquedos infantis, teatro, cinema, linguajar, lendas, diversões, tudo se vai bitolando para que se eduque um pobre povo abandonado e que se orienta para comprar, para gastar dinheiro na imposição de quanta impostura o poder industrial fabrique, uma educação para a conquista de um falso conforto. Os canais de propaganda insinuam que o afeto se reduz ao presente para a mãe, para o namorado, para o pai, e haja dinheiro para enriquecimento sempre maior dos que fabricam e dos que vendem. Desapareceram as práticas regionais. Sufocou-se a arte verdadeira. Impera a subliteratura. A deformação é geral. O Brasil está totalmente submisso a uma civilização empacotada.


A. Tito Filho, 07/09/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

DENOMINAÇÕES

Várias vezes me têm perguntado, pessoas cultas e gente do povo, de onde provém a palavra veado, no sentido de homossexual.

Essas designações de cousas relacionadas com o sexo são quase sempre da inteligência das comunidades. Parece que existe vocabulário especializado para a expressão da vida e das necessidades sexuais. O acontecimento normalíssimo das regas tomou nomes interessantes como paquete, bandeira vermelha, incômodo, chico. No meu tempo de menino era bode. Mocinha pálida, colega de estudos, estava de bode. O órgão genital masculino se chama por vários modos: pinto, pau, cacete, manzape, careca. Quando ginasiano, Martins Napoleão mandava que se fizesse a leitura de "As Pombas", de Raimundo Correia. Era de ver a risada geral da turma de moças e rapazes.

O homossexual masculino, por esse Brasil imenso, recebe diversificada denominação: afeminado, efeminado, adamado, amaricado, maricas, mariquinhas, bicha, bicha-louca, boneca, rodinha. Adolescente, eu sempre ouvia em Teresina chamar-se o pederasta passivo de fresco.

Veado foi tirado do latim venatu, o mesmo que animal de caça, donde se fez venatório, relativo a caça. Arte venatória traduz a arte de saber caçar. Essa proveniência não explica nem justifica o veado que se aplica aos homossexuais. Consultei mestres e dicionários. Topei num livro, titulado “A Evolução das Palavras”, de A. Tenório de Albuquerque, com este ensinamento: "Ouvimos diversas explicações para essa surpreendente modificação de sentido, para essa verdadeira perversão de sentido, sem que, entretanto, nenhuma satisfizesse. Temos a impressão de que se trata de uma simples tradução do alemão HIRSCH. O médico judeu Dr. Magnus Hirschfeld, o fundador da ciência sexual, foi um defensor denodado do homossexualismo, do chamado terceiro sexo".

Albuquerque escreve que houve um período, na Alemanha, em que esteve com grande evidência o nome do Dr. Hirsch. É possível que esse nome servisse para indicar os homossexuais. Talvez algum alemão houvesse empregado no Brasil o vocábulo HIRSCH com a significação plebéia e alguém que traduzisse, vulgarizando-se o vocábulo.

Simples conjectura, já se vê. O próprio estudioso do assunto reconheceu a circunstância.


A. Tito Filho, 10/04/1990, Jornal O Dia

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

CRIANÇA E ADOLESCENTE

Teresina não possuía televisão. Funcionavam nesse tempo três emissoras de rádio, a Difusora, a Pioneira e a Clube. Aproximava-se o Natal do Cristo. As dondocas logo adotaram a antiga e surrada caridade hipócrita e paternalista. Os pobres deviam sorrir também no dia do nascimento do Menino. Deu-se a campanha. As dondocas, em mensagens bonitas, pediam que os ricos dessem os seus sapatos velhos à festa natalina dos deserdados da fortuna. Humilhante e revoltante o desumano gesto caridoso da dondoquice teresinense. Corri aos jornais. Escrevi uns dois artigos de protesto contra a indignidade de calçar os miseráveis com o chulé dos ricos. As dondocas enfiaram a viola no saco e encerraram a campanha nefasta e condenável.

Agora é tempo de criança e de adolescente. Existe um estatuto para essas duas idades da vida, a que vai até doze anos e a que segue dos treze aos dezoito. Faz uma semana, ou mais, que os instrumentos de comunicação auguram nova era para os meninos e as meninas brasileiras.

Antes de mais nada, o "Jornal do Brasil”, do Rio de Janeiro, edição de 29.10.1990, publicou GENOCÍDIO INFANTIL, excelente artigo de Lédio Rosa de Andrade, juiz de menores no Estado de Santa Catarina, e as considerações do magistrado deveriam ser transcritas por todos os recantos do território nacional. Diz ele que o jornal "Folha de São Paulo" publicou, no dia 11.10.1990, resultado de uma pesquisa efetuada pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, órgão do governo, que chegou a estas conclusões; a cada dois minutos morre uma criança de fome no Brasil; de cada mil que nascem no Nordeste, 200 morrem antes de completar um ano de vida, também de fome. Existem mais de 4 milhões de crianças e adolescentes entre 17 e 14 anos sem escola. Na obra MALDITOS FRUTOS DO NOSSO VENTRE, de Luppi, existem no Brasil 36 milhões de menores carentes, 8 milhões de meninos na rua, 7 milhões de crianças sem família, 10 milhões explorados no trabalho, mais de 300 morrem anualmente assassinadas.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais uma balela dos donos do poder, menino vai viver alimentado, bem vestido, bem calçado, na escola, alegre, feliz, ao lado das mães carinhosas.

No meu tempo de menino remediado a gente desconhecia droga, despudor, violência. As mães viviam no lar, como primeiras educadoras dos filhos que, pobres ou ricos, cresciam saudáveis para uma vida digna.

A propaganda de minuto a minuto sustenta que o menor está salvo com o estatuto governamental. Como se salvarão esses pobres enteados da vida? Com as dádivas em feijão, roupas velhas, brinquedos de matéria plástica, que os ricos depositarão nos locais designados.

Tenho dito e repetido que o problema não reside na destruição da maconha, da cocaína e da heroína, nem na prisão dos traficantes. A solução se encontra em eliminar uma sociedade injusta, perversa, esbanjadora, composta de cinco por cento de ricaços cujas fortunas não se justificam.

Assegura o ilustrado e corajoso juiz de menores de Santa Catarina aquilo que venho afirmando faz tempo. não existe problema do menor, mas o terrível problema de uma sociedade amoral, profundamente malvada, que se entregou ao luxo e a ao prazer, hipocritamente caridosa, desleal com os semelhantes, com os menores ricos, que assistem aos colóquios amorosos das mães despudoradas, e com os pobres, que morrem desnutridos, num genocídio vergonhoso praticado pelos que têm o poder e o dinheiro: "Assim mesmo com o Estatuto em vigor - diz o magistrado - as crianças e os adolescentes brasileiros continuarão a morrer de fome, assassinados, sem saúde, casa, roupa, escola, sem uma vida digna, assim como continuará a impunidade, salvo se colocarmos no cárcere os responsáveis pela celerada, decrépita e misantrópica política social e econômica brasileira".


A. Tito Filho, 31/10/1990, Jornal O Dia

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

INSTABILIDADE REPUBLICANA

Muitas revoltas e revoluções têm abalado a vida republicana, desde o primeiro presidente, Deodoro, eleito pelos representantes do povo que votaram a Constituição de 1891. Em 3 de novembro do ano citado, o presidente tenta dissolver o Congresso. Revolta-se a esquerda. Deodoro renuncia. Assume o vice Floriano, dia 23/11/1891. Enfrenta uma revolução no Sul, e outra, a de Custódio José de Melo. Deixou o poder em 15/11/1894, entregando-o a Prudente de Morais, em cujo período se deu a Guerra dos Canudos. Saiu em 15/11/1898. Veio o paulista Campos Sales, que governou até 15/11/1902. Sucedeu-o Rodrigues Alves, quadriênio de 15/11/1902 a 15/11/1906. No seu governo houve, em 1904, a rebelião militar contra a vacinação obrigatória instituída por Oswaldo Cruz.

O presidente seguinte foi Afonso Pena. Faleceu em 1909. Assumiu o vice Nilo Peçanha, completando-lhe o mandato, até 15/11/1910. Veio Hermes da Fonseca, de 15/11/1910 a 15/11/1914. Enfrentou algumas agitações.

Circunstância interessante. Para a substituição de Hermes, o país elegeu novamente Rodrigues Alves seriamente enfermo. Não pôde assumir, falecendo em 1919. Em seu lugar, ficou à frente da presidência o vice Delfim Moreira, a partir de 15/11/1918. Nos termos da Constituição do tempo. Delfim convocou eleições ganhas por Epitácio Pessoa, que governou de julho de 1919 a 15/11/1922. No dia 5-7-1922, verifica-se a revolta do Forte de Copacabana contra a posse do presidente eleito, Artur Bernardes, mineiro, que enfrentou a revolução de 1924. quadriênio agitado. Bernardes tirou o período completo (15/11/1922 a 15/11/1926). Em seguida veio Washington Luís, empossado em 15/11/1926, deposto em 03/10/1930 por uma revolução, a de 30, chefiada por Getúlio Vargas. Já estava eleito presidente o sr. Júlio Prestes,d e São Paulo, que não chegou a assumir. O país foi confiado a uma Junta Militar, presidida pelo General Tasso Fragoso. Essa junta de dois generais e um almirante esteve à frente do governo de 03/10/1930 a 03/11/1930.

Inaugurou-se a era getuliana. O gaúcho Getúlio Vargas foi guindado ao poder, como ditador, em 03/11/1930. Venceu a revolução de São Paulo (1932). A 16/07/1934 o Brasil teve nova Constituição. O Congresso elegeu Getúlio presidente, para um período de quatro anos. Em 27/11/1935, intentona dos comunistas. Getúlio deveria governar até 16/07/1838, mas a 10/11/1937 vibrou um golpe, outorgou nova Constituição aos brasileiros, aboliu os partidos políticos, dissolveu o Congresso. Firmou-se como ditador. Derribou os governadores que se insurgiam contra o regime. Instituiu as Interventorias nos Estados.


A. Tito Filho, 14/02/1990, Jornal O Dia

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

CONGRESSO - 1935

O Congresso Nacional se instalou solenemente, para a primeira legislatura, a 3.5.1935.

Dia 27.11.1935, os comunistas assaltaram aquartelamentos militares do país. No ano seguinte, prisão do chefe comunista brasileiro Luís Carlos Prestes e de vários deputados, concedendo a Câmara licença para processá-los.

A 10.11.1937, Getúlio Vargas outorgou nova Constituição ao país, dissolveu o Congresso Nacional e continuou no exército da Presidência da República. Inaugurava-se severa ditadura, de rigorosa censura à imprensa e perseguição aos adversários do novo regime, denominado Estado Novo.

A Constituição de 1937 estabeleceu para a Câmara dos Deputados legislatura de 4 anos e que os representantes do povo seriam eleitos indiretamente pelos vereadores municipais e 10 cidadãos eleitos por sufrágio direto no mesmo ato da eleição da Câmara Municipal. O número de deputados será proporcional à população e fixado por lei, não podendo ser superior a 10 nem inferior a 3 por Estado.

Em lugar do Senado, a Carta totalitária instituiu o Conselho Federal, composto de um representante de cada Estado e de 10 membros nomeados pelo presidente da República. Mandato de 6 anos.

De 1937 a 1945, não houve eleições no país, diretas ou indiretas, para o Congresso Nacional. As disposições sobre o assunto, inscritas na Constituição de 1937, não tiveram cumprimento.

Pressionado por fortes correntes de opinião pública, o presidente Getúlio Vargas baixou a Lei Constitucional nº 9, de 1945, convocando eleições e estabelecendo a legislatura da Câmara dos Deputados (4 anos). Reafirmou-se a criação do Conselho Federal, composto de 2 representantes de cada Estado e do Distrito Federal com mandato de 6 anos. As eleições foram designadas para o dia 2.12.1945, inclusive a de presidente da República. Processo direto e secreto em todos os pleitos.

A 29.10.1945, as Forças Armadas derrubaram o presidente Getúlio Vargas e entregaram o Governo ao ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. As leis Constitucionais 13 e 15 de novembro, disciplinaram a convocação de nova Constituinte.

Surgiram várias agremiações partidárias, entre as quais o Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Trabalhista Brasileira (PTB), o Partido Comunista do Brasil (PCB), o Partido Republicano (PR), o Partido Libertador (PL).

Com o apoio de Getúlio Vargas, do PSD e do PTB, elegeu-se presidente da República Eurico Gaspar Dutra, derrotando os outros 3 candidatos - Eduardo Gomes (UDN), Yedo Fiúza (PCB) e Mário Rolim Teles, do Partido Agrário Nacional.


A. Tito Filho, 24/03/1990, Jornal O Dia

terça-feira, 8 de novembro de 2011

DUAS REVOLUÇÕES

Desde a campanha civilista de Rui, no tempo da candidatura presidencial de Hermes da Fonseca, o país entrara em fase de agitação política. Veio o assassínio de Pinheiro Machado, o grande dominador de homens e de votantes. Matou-o, junto à escada do hotel dos Estrangeiros, Manso de Paiva.

Foi tranqüilo o período presidencial de Wenceslau Brás. Tranqüilo internamente, mas a nação se devotava no esforço de guerra contra a Alemanha. No fim do governo de Epitácio Pessoa, surgiram dois candidatos à sucessão: Artur Bernardes, apoiado pelo Catete, e Nilo Peçanha, oposicionista. Eduardo Bittencourt, do "Correio da Manhã", publicou, como de autoria de Bernardes, uma carta ofensiva aos brios do Exército - fato que determinou forte agitação nos quartéis. Inflamaram-se os ânimos no Clube Militar, que Epitácio Pessoa mandou fechar.

Bernardes negou categoricamente a autoria da carta. Sustentou que ela era apócrifa. Haviam-lhe imitado, e muito bem, a letra. O original da missiva foi examinado por grafólogos conceituados, inclusive em Paris. Um deles foi de parecer que a carta era realmente de Bernardes. Outros diziam que não. Muito depois se verificou que a carta era, de feito, falsa.

A oficialidade do Exército, capitães e tenentes notadamente, passou a conspirar, e a 5 de julho de 1922 estourou o movimento revolucionário contra o governo, chefiado pelo capitão Euclides Hermes da Fonseca. Partiram os revoltosos do forte de Copacabana. A história registrou que eram 18 homens - os 18 do forte - embora depois o brigadeiro Eduardo Gomes confessasse a Carlos Lacerda que não eram 18. Do grupo faziam parte Siqueira Campos (que morreu gravemente ferido num hospital), Eduardo Gomes e Otávio Correia, entre outros. Este último nada tinha com a coisa. Estava de passeio pela praia, era civil, e incorporou-se ao movimento: "Quem olhar a fotografia histórica dos 18 do forte, apanhada minutos antes do choque com as forças legalistas, verá nela um civil, apenas um, de carabina em punho, marchando também impávido para a morte. Que desígnios secretos levaram aquele moço, rico de esperanças num presente que lhe era feliz, abastado e culto, incorporar-se àquela aventura que seria de loucos se não fosse o ideal que a todos empolgava? Que papel representava naquele grupo suicida de militares Otávio Correia? Ele naquele instante, era, nada mais, nada menos, do que o aplauso do povo ao gesto heróico do pequeno punhado de jovens militares: simbolizava o protesto civil das multidões sofredoras do país que, mais cedo ou mais tarde, haveria de ascender, de se politizar, de se democratizar em busca de dias melhores para o Brasil".


A. Tito Filho, 10/02/1990, Jornal O Dia

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

AINDA 1934

No dia seguinte ao da promulgação da Carta Magna de 1934, a Assembléia Constituinte elegeu Getúlio Dorneles Vargas presidente da República.

Quando se discutia a eleição presidencial (direta ou indireta) o admirável João Mangabeira sustentou: "Mas, entre o sufrágio popular e a eleição pela Assembléia há um meio termo. Foi o que propus, e não venceu".

Pretendia o ilustre constitucionalista, relator-geral do anteprojeto de Constituição do governo, que o presidente da República fosse escolhido, em voto secreto, pela Assembléia e por um Conselho Supremo constituído de membros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas, do Superior Tribunal Militar, dos generais e almirantes efetivos (não havia ainda o Ministério da Aeronáutica), dos governadores, dos presidentes dos legislativos estaduais e dos Tribunais de Justiça, do prefeito e dos presidentes do Conselho Municipal (vereadores), do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos diretores das Faculdades de Ensino Superior.

Escreveu o preclaro brasileiro: "O presidente sufragado por esse eleitorado representaria, de fato, a Nação. Porque esta não se manifesta e vive apenas pelo sufrágio eleitoral. Não se compõe apenas do eleitorado, que a Assembléia representa. Mas, também, de outras forças de estabilidade, conservação, cultura e progresso, que os demais elementos desse eleitorado especial representariam, embora o fator democrático, simbolizado na Assembléia, fosse o principal".

E arrematou: "E é esse processo artificial, desacreditado (indireto) e entre nós, de amarga experiência, que o substitutivo adotou. A ele um milhão de vezes preferível o sufrágio popular direto, como na Carta de 91".

A Assembléia Constituinte ainda funcionou algum tempo, mas se dissolveu. Marcaram-se eleições para 14.10.1934, a fim de que fosse eleito o Poder Legislativo da nação.

A Carta de 1934 estabeleceu 4 anos para cada legislatura da Câmara dos Deputados - e esta deveria compor-se de representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar.

Os deputados populares de cada Estado e do Distrito Federal seriam proporcionais à população: 1 por 150 mil habitantes até 20, e daí em diante 1 por 250 mil habitantes; os deputados classistas corresponderiam a 1/5 da representação popular. Para cada Território, 2 deputados.

O Senado se comporia de 2 representantes de cada Estado e do Distrito Federal, eleitos (diretamente) por 8 anos, renovando-se pela metade de 4 em 4 anos.

Mas o artigo 3º das Disposições Transitórias da Constituição mandou que os senadores fossem eleitos pelas Assembléias Legislativas. E a própria Carta Magna reduziu as funções legislativas do Senado, uma vez que o artigo 22 dispunha que o Poder Legislativo era exercido "pela Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado".


A. Tito Filho, 23/03/1990, Jornal O Dia

domingo, 6 de novembro de 2011

APRECIAÇÃO

Theobaldo Costa Jamundá nasceu em Pernambuco. Buscou as torres catarinenses e fixou-se na simpática e encantadora Florianópolis e aí constituiu família e projetou-se como um dos mais destacados nomes da vida literária do Sul do País. Morenão como eu, afável, de primoroso coleguismo, fez-se piauiense também, enamorado de Teresina. Já visitou o Piauí algumas ocasiões e à Academia Piauiense de Letras ofereceu duas vezes, como gesto de amizade, o magnífico coral de Santa Catarina, que encantou a gente teresinense e de outros municípios. Dádiva de Teobaldo. Oferta desse amigo leal e correto.

Agora, em data de 31 de outubro, ele me manda carta, escrita no seu original estilo de mestre da língua e da prosa e diz assim sobre Alvina Gameiro:

"Meu presidente Tito Filho.

Informei-me in Notícias Acadêmicas nº 56, arauto ímpar da nossa egrégia Academia Piauiense de Letras, que a escritora maior ALVINA GAMEIRO, no dia 14 do referido mês passado, foi eleita para a Cadeira 14.

Diz-me a informação o ter alcançado votação unânime na coerência de duas verdades: 1. O valor intelectual da escritora; 2. O acerto antológico da votação.

E estas duas verdades sustentam-se na ausência de surpresa. E ser candidata única cochicha-me o conhecimento da inteligência piauiense explicando: O VALOR LITERÁRIO DE ALVINA GAMEIRO É ÍMPAR NO UNIVRSO DAS LETRAS MERECENTES DO ZELO DINAMIZADO PELA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS.

Pelo evento de inteligência marcante de um momento especial, no sodalício onde sou menor na participação e maior de corpo inteiro no BEM QUERER que voto, apresento o aplauso ambivalente aos acadêmicos eleitores, quitando-me com ALVINA GAMEIRO e com a Academia Piauiense de Letras.

Colocando-me na certeza que existe uma Literatura Piauiense, aparteia-me no bestunto um argumento enfiando-me diante da ponta do nariz o indicador persuasivo: a eleição de ALVINA GAMEIRO para a Cadeira 14, prova a vitalidade intelectual consciente e sublima a autora de CURRAL DE SERRAS.

Este livro que possuo deu-me o amigo maior A. Tito Filho em março de 1983. E foi não foi releio uma ou outra de suas 280 páginas como a ruminar encanto. Como por exemplo: "MUITO ADIANTE, NO QUEBRAR DA MÃO DIREITA, NA RAÍZ DE UM PÉ DE MORRO, UM MARRUCO GAITEAVA, ROUQUEJANDO RECADO AGOURENTO PR'A QUEM TIVESSE TOPETE DE GANHAR RUMO DAS FÊMEAS QUE QU'ELE TAVA CASTIÇANDO". (Cf. pág. 43).

Quem tem prosa assim tem voto certo para qualquer Academia de Letras da Língua de Camões.

Aliás até no título: Curral de Serras, este livro é seleto. E como se não bastasse revelar a escritora que sabe escrever manipulando matéria tomada nos molduramentos da Geografia e da Paisagem Humana piauienses.

Sem dúvida ALVINA GAMEIRO é escritora privilegiada pelo engenho da imagística que Deus distribui antologicamente".


A. Tito Filho, 09/11/1990, Jornal O Dia

sábado, 5 de novembro de 2011

OBRA PRIMA

Folk é povo; lore é ciência. Folclore - ciência do povo, ao pé da letra.

Tenho que folk corresponde a povo em sentido espiritual, para impor costumes e hábitos. Em sentido material, de habitantes, o inglês usa people.

É longa a história de folk.

O cético bal / força, multidão/, também pronunciado val, entrou para o latim, e nesta língua deu valere / ser forte, valer/, vallere /fortificar/ e vulgare /espalhar, divulgar/. Entre os derivados de vulgare está vulgus, o povo, a multidão, o vulgo português, o volk alemão e o folk inglês. O folclore /aportuguesadamente/ - diz Gustavo Barroso/ - abraça vastíssimo quadro da vida popular. Pode-se dizer que é toda ela: construções aldeãs, marcas de propriedade em cousas e bichos, objetos úteis, arte, psicologia das gentes, costumes, ornatos, vestes, alimentos, cerimônias, regras jurídicas, jogos, folguedos, brinquedos infantis, instrumentos, religião, medicina, canções, provérbios, inscrições, músicas, danças, autos, pastorais, facécias, anedotas, linguajar, contos, mitos, lendas, denominações de toda espécie.

Em virtude de abranger os processos de vida do povo, no passado como no presente, já se chama o folclore de folk-life. Life é vida.

Joaquim Ribeiro acentua que a palavra folclore está consagra como denominação da ciência destinada a estudar a infra-história dos povos. Pura ciência histórico-social.

Parece que o folclore é um só, comum a todos os povos. Artur Passos salienta tais circunstâncias: "Outro aspecto do maior interesse ainda é o atinente ao folclore regional, se é que o folclore tem região, se o seu local não é apenas uma configuração do vasto campo mundial".

Referem-se os folcloristas ao folk-tale, estudo dos mitos, contos e lendas tradicionais. A literatura se povoa de muitos contos e romances e de personagens da vida real enfeitados pela imaginação popular. As comunidades sustentam que o povo aumenta mas não inventa - e as estórias recebem acréscimos aguardado, porém, a essência da verdade. A fantasia dos lobisomens nasceu de episódios verídicos. Ninguém ainda se deslembrou do padre que virava bicho e de noite pulava no meio da estrada para assaltar mulheres com intentos libidinosos. Umas destas, corajosa, enfrentou a visagem e deu-lhe segura facãozada. Descobriu-se depois que o vigário tinha um braço decepado.

Não cabe aqui estabelecer diferença entre mito, conto e lenda, mas dar a esta a característica de provir da concepção popular em torno de acontecimentos, de heróis, de individualidades famosas. As lendas se apóiam em fatos e pessoas tradicionais, que passam de geração a geração, modificando-se.

No Brasil, figuras históricas participam do folclore, e entre outras cumpre salientar Ana Jansen (Maranhão); Miguel de Sousa Martins (Visconde da Parnaíba); Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, Luís Carlos da Serra Negra (no Piauí); Dona Beja e Xica da Silva (Minas Gerais); Amadeu Bueno (São Paulo), dos quais se espalham gestos e atitudes às vezes oriundas da interpretação popular.

Josias Carneiro da Silva buscou a fama ingrata de Simplício Dias da Silva e dela fez livro maravilhoso. nada inventou. Antes recolheu a voz do povo, o reconto andante da boca em boca, e realizou das mais ilustres narrativas que tenho lido. A gente não sabe mais distinguir nesta escritura, e o acertado é que cada um de nós admite o extraordinário conjunto de cousas do outro mundo, de crendices, de corpo-secos, almas do outro mundo, aspectos geográficos da Europa, arte, requintes, nobiliarquia, tudo exposto numa linguagem sã, vivaz, clara, para entendimento de leigos e doutores. Estilo elegante como convém aos mestres no assunto.

O confrade da Academia Piauiense de Letras abdicou das glórias patrióticas enaltecedoras de Simplício Dias da Silva, de quem mais arrecadar somente a moldura lendária, enfim as estórias maravilhosas que em torno dele criou a sabedoria do povo, que sempre aumenta, mas não inventa, conta o conto e acrescenta um ponto.

O livro ficará como obra-prima do folclore piauiense, melhor dizendo do folclore universal, porque o folclore não tem pátria, não se conforma com regiões, goza de universalidade. SIMPLÍCIO SIMPLIÇÃO DA PARNAÍBA é o título da obra-prima.


A. Tito Filho, 10/11/1990, Jornal O Dia