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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

DESTINAÇÃO

Quando eu era meninote, meu pai se mudou para Teresina, prosseguindo a carreira de magistrado. Ganhava uns trocados, pois juiz naquele tempo não chegava ao salário mínimo destes dias inflacionários. A gente morava numa casa modesta. A cidade tinha vida tranqüila, agradável. Pagava-se aluguel da residência. Mas os bagarotes davam para passar bem de comedorias.

Meu pai percebia ordenados suficientes, da mesma forma que os funcionários públicos da época. Muita simplicidade, não havia festas de aniversários nem de debutação, nem de presentes no Natal e o carnaval se fazia sem despesas excessivas. Inexistiam ricos. Só abastados e a classe média que bem ganhava as suas patacas.

Os conselhos paternos me indicavam que procurasse uma profissão de ganhos razoáveis. Médico, por exemplo. Ou militar, pois o quartel dava a bóia e a roupa de graça.

Eu invejava o trabalho das pessoas. No Bar Carvalho, via a agitação dos garçons, de um lado para outro, servindo café ou refresco e logo pensava nessa profissão. Dia de domingo, eu ia ao restaurante comprar a comida de casa, como queria meu pai, para variar, e observava o cozinheiro Gumercindo a preparar o filé de chapa, em cima da quentura do velho fogão de ferro, cheio de lenha pela boca principal. Logo admitia um bonito futuro como diligente mestre cuca. No tempo de circo, fixava meu desejo maior em ser palhaço ou trapezista. Como gostava muito de picolé, surgia a pretensão de ser picolezeiro.

Cresci. Estudei. Deu-me na veneta de estudar direito. Formei-me. Não gostei de advocacia. Enriqueci-me de inveja pelo jornalismo, pelo magistério e pela literatura. Andei pela política na época em que já começava a correr dinheiro nas eleições. Edgar Nogueira, de grande prestígio, quis que eu fosse juiz no interior. Recusei. Juiz no interior ganhava como funcionário do Piauí, hoje. Não havia asfalto, a fim de que o magistrado das capembas pudesse freqüentar o cabaré da capital. Demais de tudo, esses pobres julgadores de vezem quando entregavam a alma de Deus, baleados pelos chefões do partidarismo.

Tornei-me jornalista e professor. Como jornalista, ganhava descomposturas. No magistério, como nos dias atuais, recebia salário de fome. Consegui ser funcionário público e nunca melhorei de finanças. Ainda agora ganho por mês a besteira de uns quinze mil cruzados novos por mês, sem ter para quem apelar.

Arrependo-me muito. Poderia ter sido político e ganharia rios de dinheiros como deputado. Caso fosse magistrado, seria hoje desembargador, com carro oficial, vantagens, e cem mil bagarotes por mês. Poderia merecer a sorte como dono de jornal, rádio ou televisão, e arrecadar milhões em propaganda oficial. Bastaria a publicidade da empresa piauiense de águas e esgotos, dirigido pelo dinâmico José Darcy Araújo.

Deus devia ter me protegido, ser do sexo feminino e filha solteira de falecido desembargador, para mamar de pensão por mês 40 mil pelegas, sem nada fazer, salvo colocar a dinheirama na poupança.

Banquei o bestalhão. Jornalista, professor, funcionário público. E sempre na miséria.


A. Tito Filho, 23/01/1990, Jornal O Dia

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