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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

MEU BOM AMIGO

Quem assina este artigozinho não era nem nascido quando se instalou em Teresina a primeira instituição de crédito, justamente o famoso Banco do Brasil, de empréstimos só para ricos e bem providos de avalistas seguros.

Na década de 1950, ingressei no magistério. Aulas no Colégio Estadual do Piauí, na Escola Normal, no Colégio São Francisco Sales e noutros educandários. Iniciava o trabalho às 7 da manhã, às 13 da tarde e às 18:30, boca da noite. Não me passava pela cabeça possuir automóvel. Ministrava quinze aulas por dia, correndo de um colégio para outro. Os professores ganhavam vencimentos de miséria, nos estabelecimentos oficiais como nos particulares. Por cima de tudo, os proprietários de casa de ensino e o governo efetuavam a paga do labor mensal sempre com atraso. Nem equilibrista de circo conseguia sustentar família por processos tão angustiosos. Os mestres recorriam a agiotas a fim de que vencessem dificuldades e aperturas. Os usuários concediam empréstimos na base de 10, 15 e 20 por cento, exploradores gananciosos, que enricavam depressa na exploração da miséria alheia. Dia de vencimento do vale, chamado de papagaio, o perverso judeu aparecia em busca dos juros para a concessão da nova esfola. Como outros colegas, cheguei a dever a três ou quatro desses sugadores da economia popular ao mesmo tempo. Busquei soluções e me informaram que o Banco Comercial e Agrícola do Piauí poderia salvar-me as finanças. Procurei o estabelecimento, num prédio modesto da rua Barroso, mais ou menos no meio do quarteirão iniciado hoje pela Câmara Municipal. Encontrei facilidade para conseguir cinco mil cruzeiros, desde que meu pai avalizasse o negócio. E assim se fez. Juros baixíssimos. Na época do pagamento, a bondade paterna fez a liquidação da dívida, sem contribuição minha de qualquer natureza.

Melhorei de vida com o correr dos anos. Surgiram oportunidades de outros empregos. Consegui consultoria jurídica na antiga Comissão de Abastecimento e Preços do Piauí. Quando necessitei outra vez do banco, já se havia transformado o conhecido Banco do Estado do Piauí, o BEP, em cujas salas ganhei alegrias e dissabores. Às vezes os empréstimos me eram creditados com rapidez, outras vezes a cousa enganchava. A vitória me sorria ao cabo das contas, pois uns oitenta por cento dos servidores do estabelecimento haviam sido meus alunos diletos e queridos. Alguns funcionários de mando e poder não gostavam de mim. Jornalista quase sempre de oposição a governos piauiense, natural que contra mim se manifestassem antipatias e perseguições. Cousas da vida. A política sempre se mostrou injusta e de má índole, sobremodo quando ela passa aos métodos enodoantes de politicalha. Não me abatiam as recusas. Minha persistência acabava por obter os pequenininhos empréstimos que minhas parcas rendas permitiam. No BEP, porém, estava a minha salvação. Às vezes, fui levado a declarar desaforos aos encarregados das carteiras de empréstimos e os ouvia também, com humildade. Voltava ao equilíbrio emocional e partia para novas rogativas e, ânimos serenados, os dinheirinhos ingressavam nos meus pobres bolsos.

Eu e o BEP somos um romance. Um romance de caracteres que se compreendiam, eu e o banco querido dos piauienses, uma instituição do povo, que salvava a verdureira, o professor quebrado e desenvolvia o trabalho de produção do homem.

Meu bom amigo, o BEP. Sempre meu amigo nas mais ingratas situações de quebradeira. Sem média de depósitos, sem imóveis, sem nada, quantas vezes o BEP me livrou do infortúnio do desconforto de minha família. E não acredito que o Piauí seja ingrato com uma casa miga, onde a bondade dos servidores, os grandes e os pequenos, sempre foram o recurso maior dos necessitados.

Um crime contra o povo o desaparecimento de meu bom amigo. De mim, estou de coração choroso, apertado de amargura. Que os homens tenham dignidade e restituam a vida de meu velho BEP.


A. Tito Filho, 30/07/1990, Jornal O Dia

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