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terça-feira, 1 de novembro de 2011

RECORDAÇÕES

Meu pai e Eurípedes de Aguiar muito se estimavam. As vicissitudes da vida e os deveres da solidariedade estabeleceram entre ambos sólida amizade, que os anos não arrefeceram, antes aprofundaram, e o fato fez que eu tivesse no incontestável homem público um amigo certo, a quem ofereci admiração e respeito. Com a subida de Rocha Furtado ao governo, as figuras mais ativas de O Piauí, Eurípedes, Martins Vieira e Ofélio Leitão receberam cargos oficiais, como auxiliares da administração que se inaugurava. Afastaram-se do jornal, cuja direção Eurípedes me entregou, e pude desempenhá-la com leal observância dos princípios partidários. Transmitia-a, de ordem, ao poeta José Severino da Costa Andrade.

Em maio de 1947, tive nomeação como delegado de polícia da capital. Por esta forma passei a trabalhar com Eurípedes, chefe de Polícia, e nas funções me conservei algum tempo.

Privei com Eurípedes no jornal e nos encargos do xerifado. Dele recebi conselhos e proveitosas lições de experiência. Nunca o vi covarde, nem prevalecido de prestígio para perseguir ou humilhar. Uma feita me ensinou que a gente deve gastar tempo, tinta e papel para se defender de ataque inimigo pelo jornal. Antes se ataca com mais violência o diatribista.

Eurípedes não tinha ódio a ninguém. Apenas - me contou certa vez - nunca perdoaria maldade que certo cidadão lhe fizera, desnecessariamente. Jamais o havia perseguido, mas nunca praticaria gesto que o beneficiasse. Quando Rocha Furtado pretendeu premiar essa conhecida figura, Eurípedes, como secretário geral do Estado, recusou-se a assinar o ato. Não houve o benefício. Disse-me Eurípedes: "Esperei-o anos a fio, detrás do pau, cacete em punho. Chegada a hora, dei-lhe a cacetada merecida".

Eurípedes era doutor em assentar apelidos gostosos e sarcásticos nos adversários: Soim da Prefeitura, Cascavel de Quatro Ventas, Carregador de Piano - e outros que depressa caíam no agrado popular e se tornavam obrigatórios nas palestrações de praça e na linguagem debochativa dos jornais. Para que se compreendam essas irônicas alcunhas torna-se necessário conhecer as personagens que elas batizam, pois os ditos se ajustam ao modo de ser de cada um.

De igual modo, processava-se a vingança adversária. Poucos homens públicos tiveram tantos batismos grosseiros e jocosos como ele. Urso Branco, Euripão, Macacão dos Matões, Gostosão da Vicença, para citar alguns.

Presenciei episódios em que se envolveram Eurípedes e gente que com ele não simpatizava, a exemplo de Edgard Nogueira e Humberto Reis da Silveira, casos de desfechos gozados. Raros jornalistas e homens públicos conheci com tanto humor, tanto sal de espírito, a serviço de fina ironia e contundente sarcasmo. Mas nele coexistiam a honestidade, o brio, o destemor, a paixão de ideais nobres. Honrou os cargos que lhe foram confiados, pelo voto ou pela vontade de governantes.

Vários companheiros de luta participaram da via de Eurípedes, como Ofélio Leitão, uma das penas mais fortes e admiradas da imprensa piauiense, pelo asseio da frase, expressão bem construída, afirmação de coragem. Dono de boa e séria leitura. Professor culto, antigo procurador geral da Justiça, durante anos exerceu funções advocatícias no Banco do Brasil, e que dedicou honestas conhecimentos jurídicos. Cidadão simples, de palestra alegre e jovial, muito amigo do próximo, bondoso com os pequenos, de humanos pecados, da forma que se revelam os construídos do barro bíblico, proprietário, entretanto, de um bocado de virtudes espirituais.


A. Tito Filho, 08/12/1990, Jornal O Dia

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