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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O ÚLTIMO DOS MOICANOS

Faz poucos dias revi na televisão o filme O ÚLTIMO DOS MOICANOS, que eu havia visto cinqüenta anos passados, com um dos artistas mais populares do seu tempo, Randolph Scott, ídolo da meninada nas aventuras do velho oeste norte-americano. A história foi escrita por James Fenimore Cooper, o mesmo que deu à literatura dos Estados Unidos obras como "Os Pioneiros", "O Espião", e outros romances que li sobre lutas e caracteres humanos.

Cooper era historiador meticuloso. Criou tipos fictícios, mas fiéis à vida das comunidades do tempo em que viveu. Dele "A Pradaria", cuja ação se passa na região do búfalo. O homem íntegro se forma pela natureza e não pelos livros, como ensina o escritor. Aprendi muito do faroeste em Cooper, que glorificou a vida ao ar livre e fez da simplicidade um ritual.

Era bom. Naquele tempo, quando eu, molecote cheio de vida, recebia de meu pai dois mil réis todos os domingos, meu ganho semanal. Na rua Simplício Mendes, no trecho da rua Lisandro Nogueira à praça Rio Branco, meio do quarteirão, estava o cinema Royal, de segunda classe. Exibia muito filme de caubói, com sessões iniciadas pelas seis e meia da tarde. Salãozão comprido, bancos de madeira sem encosto dos dois lados e a passagem dos freqüentadores pelo meio. Eu gostava das aventuras espetaculares dos artistas que sempre venciam os bandidos covardes. Também havia os seriados. Seis semanas seguidas, cada semana um pedaço da estória, e o jeito que se aguardasse, curioso, a continuação no domingo seguinte.

Dois mil réis de meu pai valiam alguma cousa. A entrada do cinema saia por seis contos réis. Na saída do espetáculo, a gente dava duzentos réis por quatro cigarros marca Regência, comprava cinco bolos fritos por cem réis (um tostão *) o resto dos bagarotes para um sorvete ou um copo de refresco de gelo rapado.

No velho Royal trabalhavam os meus ídolos mais impressionantes, entre os quais Buch Jones, Tom Mix, Tim McCoy. Entusiasmavam-se as aventuras, a pontaria certeira dos caubóis. Só hoje, depois de muita leitura, pude compreender as fantasias que o cinema me mostrava na época da saudosa adolescência. Os feudos. O reino do gado. O mundo selvagem duro com os fracos. Os fortes cuja vida dependia da faca e do revólver. OS SALOONS de violência. Um mundo de libertação explosiva e derivativa do jogo e das bebedeiras desenfreadas como substitutos da mulher.

Lei da pistola sobre o balcão da bebida e sobre a mesa do jogo. Violência do índio contra o branco e vice-versa. Índio bom é índio morto, diziam os homens do oeste brutal. tudo um excesso de vitalidade. Álcool, pôquer, matança profissionais, a lei do Colt, num mundo de apetites sexuais sem que houvesse mulheres. Daí o mito das fêmeas raríssimas.

A tribo dos moicanos deu a Cooper o motivo do romance que eu revi agora, no mesmo filme de cinqüenta anos passados. O mesmo Randolph Scott, herói de minha adolescência risonha e feliz, o Scott altão, esguio, tiro certeiro, defensor dos fracos, punidor dos malvados. Lembrei-me dos tempos nos grosseiros assentos de pau no saudoso cinema Royal de Teresina, casa de segunda ou terceira classe, onde a molecada se divertia, assobiando nos momentos de perigo. Não pude esquecer a moeda valiosa que meu pai me dava e que me proporcionava alegrias sem conta, época bendita em que ninguém ouvia a palavra dólar na tranqüila e pitoresca Teresina.


A. Tito Filho, 04/11/1990, Jornal O Dia


* Palavras apagadas no original

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