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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

CULTURA

Rui Caetano Barbosa de Oliveira era o nome todo do grande brasileiro, que se reduziu a Rui Barbosa, cuja cultura jurídica causou admiração aos nomes mais notáveis na célebre conferência de Haia, na Holanda, menos conhecido no seu país de nascimento, nos dias de hoje, do que um dançador de lambada. Veio ao mundo num 5 de novembro, escolhido para que nele se comemore o dia da cultura. Que cultura? Cultura pode dizer-se o conjunto de processos de vida de um povo e por este modo se dirá da sua felicidade ou desgraça. Como se caracterizam os brasileiros? Uns cinco por cento passam à tripa forra, no luxo, nos grandes centros turísticos, donos da escravaria de milhões cujo trabalho vale salário mínimo, que mal compra meio quilo de carne por dia. No país colonizado por portugueses safados habitam uns cento e vinte milhões entre os analfabetos, os que mal assinam o nome, os que treinam o desenho do voto, o empresariado da indústria e do comércio que apenas lê a cotação do dólar, os bandidos milionários de colarinho branco, as crianças e adolescentes sem escola, os que não têm a mínima idéia do que seja conhecimento da ciência, da literatura, das demais artes, das lições da natureza.

Como educar para a cultura? Pelos instrumentos necessários e competentes, pelas instituições sociais, pelos meios de comunicação. No Brasil esses modos de interpretação das coletividades funcionam? Nunca dos nuncas. Família pervertida e sem autoridade, escola falida ou de balcão comercial, meninos sem afeto materno, ausência completa de leitura, inexistência de princípios morais, linguagem de calão, autoridades sem equilíbrio mental, televisão a serviço da violência ou do sexo ao vivo. Por mais que os heróis, e são poucos, se esforcem, conseguem quase nada neste deserto de homens e de idéias em que * o Brasil. Antigamente havia ao menos o bom exemplo dos responsáveis pela vida pública. Hoje, besta é o que não furta e enche o bandulho da dinheirama resultante de privilégios criminosos. Que se fez do cinema como arte que sempre foi, cujos temas estavam nos grandes conflitos humanos ou nas comédias que mostravam a vida e suas personagens com naturalidade e espontaneidade?

Conheci o Brasil de outros tempos em que o governo incentivava a vida teatral e surgiam as companhias de artistas que na verdade educavam por intermédio de peças bem interpretadas e de mensagens que faziam o povo observar a crua realidade das causas. Era bom. O teatro nacional viveu dia de glória e esplendor artístico. A dança e a música se dirigem nestas últimas décadas aos instintos de um povo sem o menor vislumbre de lucidez mental. Foi-se o tempo de um Francisco Alves, o velho Chico, que enviava melodias ao espírito romântico das gentes. Agora as multidões ululantes se requebram enlouquecidas com as desordens das gritarias dos roquiniróis.

Pobre Rui Barbosa. No dia da cultura, criado para homenagear o notável brasileiro, o Brasil já não possui um insosso ministério da cultura, financiador de péssimo cinema e que jamais efetivou, nas tevês e nos rádios, programas culturais, embora esses instrumentos sejam concessões do governo. A cultura nacional se resume nos mais degradantes processos de vida da sua população, socada nas favelas das megalópoles, jovens sem horizonte buscando na droga o lenitivo da degradação física e mental, a legião dos analfas e dos obtusos de inteligência, a esperteza como sistema de triunfo, as perversões sexuais de protestos contra a masculinização feminina - eis a homenagem que o Brasil vem prestando a Rui Barbosa, esse homem desconhecido.


A. Tito Filho, 06/11/1990, Jornal O Dia

* Apagado no original

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