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sábado, 15 de outubro de 2011

HISTÓRIA DE DOENÇAS

No carnaval de 1959, fui impiedosamente molhado por chuva torrencial em Teresina. Começo de março, sentia calafrios na boquinha da noite e febre e dores me caceteavam. Dores e febre aumentavam dia por dia. Após um mês no Hospital Getúlio Vargas, os médicos me aconselharam o Rio de Janeiro. Viajei cedinho, nos velhos e seguros aviões DC-3, que realizavam chatíssimo pinga-pinga com pousos em Bom Jesus da Lapa, Salvador, Ilhéus, Montes Claros, Belo Horizonte, Vitória, finalmente a velha capital brasileira, aonde se chegava pelas oito da noite. Seguia recomendado a um célebre doutor, dirigente de casa de saúde, a cujas portas bati e tive ciência de falta de vaga. Encaminharam-me a outro hospital, até que alguém, morrido ou estabelecido, desocupasse quarto.

Ingressei, modo provisório, noutra casa de saúde, e nela recebi assistência de um doutor magro, sabido como o diabo. Auscultou-me e interrogou-me e consentiu em que eu padecia de muita fome. E já noite puxada mandou que me servissem presunto e pão.

Uns três dias depois me internei no hospital recomendado pelos médicos do Piauí. Submeti-me a uns trinta exames. Diariamente os médicos seguiam novos rumos. Não agüentavam mais o regime hospitalar. Certo sábado, o famoso Dr. Fernando Paulino me disse, triunfante, que deveria operar-me do baço, retirá-lo do organismo. Recusei-me, pedi a conta, paguei-a e me hospedei em modesto hotel do centro da cidade.

Sentia-me melhorado, mas as dores e a febre me mortificavam. A família, tias e primos, me cercavam de cuidados. Andei por mais uns seis médicos, e ninguém acertava o meu mal. Certo doutor deliberou que um dos meus rins se encontrava fora do lugar. Devia operar-me. Nova recusa. Foi quando procurei o Dr. Luís Carvalho, casado com a bonita Teresinha Alcântara, minha antiga aluna e rainha do centenário de Teresina. Fui examinado no próprio apartamento do boníssimo casal. Luís assentou que eu tinha inflamação da pleura, uma pleurite. Gostaria de examinar-me em radioscopia na manhã seguinte, mas logo me receitou injeção, chamada, se a memória me acode, KANTREX. Tomei-a de noite. Amanheci sem dores. Os exames confirmaram o mal. enganei muitos tipos ruins de Teresina que rezavam por um câncer.

Curado, voltei à capital piauiense, reassumi cargos e encargos. Quatro meses depois, retornei ao Rio, para uma verificação médica no organismo. Tudo funcionava normalmente.

Hospedado no mesmo hotel a quando da doença, o Rex, preferido dos piauienses de classe média, na sala de espera, certo dia, encontrei Josípio Lustosa, triste e desanimado. Estava de operação marcada. Tumor no cérebro. Tinha certeza do desenlace. Já se havia despedido dos familiares em Teresina. Aconselhei-lhe que não se operasse sem ouvir médico amigo e me ofereci para levá-lo ao Dr. Luís Carvalho. Acolheu a sugestão. Acompanhei-o. Luís examinou-o detidamente algum tempo, os dois em sala privativa. Nada grave. Josípio, segundo o médico, padecia de reumatismo.

Estes fatos se passaram em 1959. Josípio da Silva Lustosa faleceu em fevereiro de 1990, mais de sessenta anos depois do acontecido. Nunca fez operação na cabeça. Salvei-o, buscando uma tábua numa derradeira esperança. Mas deu certo.


A. Tito Filho, 05/04/1990, Jornal O Dia

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