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sábado, 1 de outubro de 2011

TERESINA

Teresina foi a primeira cidade do Brasil construída em traçado geométrico, no chão da mata derrubada. As casas de moradia tinham a parede da rua rente com as calçadas. Havia um corredor central, ladeando as salas e alcovas, a sala de refeição no meio, com peitoris para o saguão, e o célebre puxado de quartos, despensa, cozinha e banheiro. Esta estrutura ainda existe em muitas residências. Depois se construiriam palacetes.

Teresina não nasceu espontaneamente, mas de modo artificial, prevendo-se praças e ruas. Fizeram-se as edificações mais necessárias: mercado, cemitério, hospital, cadeia. Surgiu o jornal. Criaram-se clubes. Animada a vida teatral. Festivos carnavais. Fundaram-se clubes recreativos. Apareceram os primeiros cafés e restaurantes. Jogo de bilhar, passeio de cavalo. O costume das serenatas. Os festejos religiosos.

Ainda no alvorecer do século XX e nas proximidades de 50 anos, Teresina não tinha serviço d'água encanada nem luz elétrica: comuns os cargueiros d'água que abasteciam as residências, montados no jumento bisonho, trepado na cangalha gigante. Deliciosos tempos de Teresina doutrora. O astro era o acendedor de lampiões - candeeiros no alto dos postes, queimando querosene. Ao lado do desconforto, da poeira, das raras medidas de higiene, da tuberculose e da sífilis, do casebre de palha, a maledicência generalizada nas rodas de calçadas e nos serenos de bailes.

Nos primeiros anos do século, a água encanada. No Governo Miguel Rosa, luz elétrica, sociedades literárias animavam a cidade. Chegou a era do cinema - o mudo, depois musicado, finalmente o falado. O jardim, o jardim da Praça Rio Branco, de doce lirismo, rapazes rodando num sentido e garotas noutro para o namoro paroquiano mais gostoso, o namoro dos olhos. Chegaria a vez da Praça Pedro II. Do mesmo jeito, olhos dele grudados nos dela. Correram mais de 50 anos. Teresina crescia mas permaneciam os costumes provincianos. O bom gelado do pega-pinto, o sorvete de gelo rapado, os tipos populares, os freges de panelada, a cidade pacata, dorminhoca às 21 horas, familiarmente. Boa bolinação nos cinemas, em que as normalistas gostosas namoravam apimentadas. E os cabarés da Raimundinha Leite, da Gerusa, da Rosa do Banco, repletos de borboletas fornidas e nos quais se ombreavam desembargadores, estudantes e vareiros.

Crime só de longe em longe por motivos passionais as mais das vezes. Raros assassinatos bárbaros. Contam-se, assim, de memória, as mortes do motorista Gregório, de Lucrécio Avelino e do motorista trucidado por Catanã.

Ainda em 1952, época do primeiro centenário da cidade, Teresina padecia tristíssimas condições de conforto, em todos os sentidos. Péssimo calçamento das ruas, ausência de higiene, falta de escolas, mendicância generalizada. Chegaria, porem, o chamado progresso físico, o asfalto, os aviões a jato, o comércio de prestações, os restaurantes sofisticados, o carro financiado, a casa do BNH, a televisão, o jornal moderno, a civilização da lancheira, o supermercado onde as matronas compram frango depenado. Nos velhos tempos as senhoras carrancudas só compravam galinhas soprando-lhes as penas e lhes apertavam o bico a ver se o gogo escorria. Os bons cabarés da Paissandú desapareceram, substituídos por motéis e gramas de praças para o amor.

De trinta anos para cá a cidade mudou muito. Desespiritualizou-se. Tem no dinheiro o status e o conforto material repousa em dívida. Vigora o cheque sem fundo. Por onde anda o pega-pinto que ajudava a fazer pipi? Teresina possui contrastes aviltantes. Jóquei e Itararé. Mansão e casebre. Morreram hábitos. Surgiu Universidade e hoje se fabricam doutores para o desemprego.

Garotas ricas se desnudam ao lado das ruas que não têm com que cobrir as suas vergonhas.

Mas Teresina reencontrará o bom caminho. Cada dia fica mais bonita em graças construídas pelas mãos do homem. Os seus intendentes e prefeitos cada qual tem melhorado, dentro das suas possiblidades, os aspectos da criatura de José Antonio Saraiva.

É necessário lutar pela humanização da cidade. Fazer que ela retorne à vida espiritual de antigamente. Enquanto a gente pensar assim, Teresina será sempre um instante de beleza no coração dos que amam.


A. Tito Filho, 12/09/1990, Jornal O Dia

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