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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

UMA CARTA

Recebi esta expressiva carta:

"Depois da frustração do Halley, do buraco no Ozônio, de Chernobil, do Césio em Goiás, da destruição de Sete Quedas, dos abalos sismicos no México e na Califórnia, do Batou Mouche, da Aids, da destruição do Líbano, da Primavera de Pequim, da invasão do Panamá, das guerras por rivalidades étnicas e tribais, o Planeta Terra não é mais o mesmo.

Os anos 80, implacáveis ceifadores (Elis, Lennon, Drummond, Coralina, Nara, Buñuel, Dali, Borges, Chagal, Hitchcock) deixaram-nos órfãos na arte e na vida, marcas profundas e indeléveis.

Não, não podemos ser os mesmos, também porque a contracultura nega e resiste, o povo foi às urnas, derrubou o muro de Berlim e Nicolae Ceausescu, o Leste Europeu fragmentou-se no seu totalitarismo, caíram varias ditaduras militares na América Latina, as mulheres, muitas, subiram ao poder (Erundina, Corazon, Dorothéa, Benedita) o bebê de proveta e os segredos da genética desvendados, as fibras óticas, os supercondutores, os compact-disc, e a nossa vida invadida maravilhosa e bandidamente pelo faz e o computador. Tivemos uma década furiosa, mefistofélica de quem destrói o tempo inteiro pra poder recriar e lançar moda. Vivemos os anos pós-tudo, onde até o pós-moderno é póstumo (natimorto?).

Mas, apesar da erupção do Vesúvio, do amor com medo da AIDS, de Bucareste em chamas, o povo festeja.

Apesar das tropas ianques, os panamenhos e seus batalhões resistem em nome da dignidade e da cidadania.

Apesar da inflação de 55% ao mês, da violência e do medo, os brasileiros crêem e nós, é claro, ainda fazemos poesia.

Feliz, 1990. Felizes anos 90, onde as certezas substituirão as dúvidas e os medos, onde o trabalho substituirá a inércia e as falcatruas, onde a fraternidade substituirá o egoísmo, onde as paixões substituirão a apatia e o amor reinará absoluto".


A. Tito Filho, 04/01/1990, Jornal O Dia

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