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terça-feira, 29 de novembro de 2011

CONSIDERAÇÕES

- O professor Lima Cordão tem no prelo mais uma narrativa sobre o Nordeste. Personagens: o aglomerado familiar, um clã nordestino, pessoas do mesmo sangue que se desentenderam por questiúnculas, empenharam-se de oliosidade, e lutam, e se matam, numa carnificina espantosa e impressionante. A velha saga do sertão de anos antigos: Severas lutas partidárias, gerando invejas perniciosas e ambições desmedidas. Coiteiros na tarefa de agasalhar bandidos, e pistoleiros perversos na função assassina por quantia qualquer. O latifundiário sem alma e a terra como patrimônio de poucos. Garotas desvirginadas por coronéis do deboche, ou por rapazelhos filhos deles. Excesso de vigor fisico nos que mourejam de sol a sol, embora subnutridos, à espera de chuva sob o patrimônio divino. O mundo selvagem de caboclos sem lei, desespiritualizados, desconhecedores da leitura e da escrita. Valentões de forró. A faca e a arma de tiro, na inspiração da coragem e brutalidade. Por toda parte o homem enxerga inimigo se se ofendem as suas normas de honra e os tabus de sua fé. O trabalho do professor Cordão caracteriza o Nordeste que se modifica pouco a pouco, de modo lento, e um dia se redimirá quando vencer a ignorância e conquistar condições humanas de vida. O livro, perspicaz, inteligente e de irrecusáveis recursos descritivos e de narração, tem linguagem de vivacidade. O autor mostrou que cada um de nós é o reflexo do seu tempo, do seu meio, de sua forma de viver, do seu sexo, da sua família, como queria Tristão de Ataíde. As páginas revelam que nós somos o que fazem de nós as circunstâncias. História de sertão brabo, que a gente conta mas nunca queria que tivesse acontecido.

- Quando eu era estudante e professor, no dia 21 de abril, data do enforcamento de Tiradentes, se promoviam comemorações cívicas em todas as instituições de ensino. Os mestres rememoravam o sacrifício do principal mártir da independência nacional. Hoje, nada. Talvez a pátria tenha vergonha do quadro de ignorância, violência e miséria em que os maus brasileiros, os donos do poder, transformaram o sonho de Tiradentes.

- Não creio em crime fútil. Futilidade juridicamente não se define. Tem conceito relativo. Nada acontece por acontecer. Às ações humanas correspondem motivos, causas. O que é fútil para o homem educado, pode não ser fútil para o homem cuja educação foi desprezada pela família ou pela sociedade. Na futilidade do código penal devem levar-se em conta o grau de educação do agente, o meio em que vive, a situação em que delinqüiu. Até as palavras variam na sua força imperiosa de camada social.

- Num velório de defunta me perguntaram se mulher quando morre também abotoa o paletó. R. Magalhães Júnior anota que ABOTOAR O PALETÓ é locução carioca nascida da observação de que a roupa dos mortos sempre cuidadosamente se abotoa. A princípio se aplicou ao homem, mas passou aos dois sexos, pois em linguagem se verifica a aplicação de forma genérica das criações populares.

- Leiam "Os Donos do Poder", desse extraordinário Raymundo Faoro, e aprendam que a política vive de mãos dadas ao dinheiro, com ela surgem os advogados administrativos. são sempre gananciosas as raposas elitistas brasileiras, observações que Faoro registra como fatos nacionais desde 1808.


A. Tito Filho, 11/05/1990, Jornal O Dia

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