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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

AINDA A URUCUBACA

Não vi o carnaval de 1915 de Teresina, mas sobre as nossas folias carnavalescas consultei jornais, revistas e livros, e pude registrar, ano por ano, as músicas mais cantadas na capital piauiense durante os dias momescos.

Em 1915 cantou-se e dançou-se a marcha AI, FILOMENA. Grande sucesso, retumbante mesmo.

O governo do presidente Hermes da Fonseca não foi popular. O presidente arrecadara antipatia generalizada. Tinha fama de homem tapado, de pouca inteligência, da mesma forma que o General Gaspar Dutra, o governante de 1946 a 1951.

Propalava-se que o governo hermista dava azar, e o carioca logo arranjou um jeito de arrumar a palavra URUCUBACA para defini-lo como tipo que dava pesa, azar, macaca. Os versinhos da marchinha AI, FILOMENA, diziam assim: "Ó Filomena / Se eu fosse como / Tirava a urucubaca / Da cabeça do Dudu". Dudu era apelido de Hermes da Fonseca.

Aurélio registra URUCUBACA como inhaca, jetatura, macaca, pé-frio. A palavra ingressou na voz popular no século XX. E como a palavra constitui entidade fonética, morfológica, sintática, semântica e social, com esta última característica ela se cria, se transforma, se modifica e morre. Talvez URUCUBACA tenha saído da voz do povo, suplantada por outras mais expressivas ora de melhor entendimento.

Câmara Cascudo sustenta que URUCUBACA se tem como cristão carioca, de 1914, aplicada a Hermes da Fonseca quando este deixava o governo da República. E reproduz ensinamento alheio dando-lhe origem em URUCUBACA, mais CUMBACA, tipo de peixe tido como azarento. Deu-se, por força da lei do menor esforço da linguagem, a queda da letra M antes da bilabial B. Comodismo do povo. Mas no dicionário de Antônio Geraldo da Cunha, este pesquisador estudioso tira URUCUBACA de URUBU e MACACA, com troca de fonemas.

A música carnavalesca sempre se voltou para a política e seus respectivos líderes. MAMÃE EU QUERO tornou-se aplaudidíssima, em 1930. Todos queriam MAMAR no governo. Hermes da Fonseca foi muito ridicularizado pelos compositores. SEU MÉ levava ao ridículo o presidente Artur Bernardes outra vítima da debocharia popular. Quando Getúlio Vargas caiu do poder, em 1945, depois de quinze anos amigado com o Palácio do Catete, e Dutra foi eleito, assumindo em janeiro do ano seguinte, logo surgiu O CORDÃO DOS PUXA-SACOS, no carnaval de fevereiro, pois os políticos se passaram para o novo sol que nascia. Em 1950, porém, Getúlio se elegeu pela força do voto popular. No carnaval de 1951 cantou-se muito BOTA O RETRATO DO VELHO OUTRA VEZ, alusão à circunstância de que, nos seus negros tempos ditatoriais, a propaganda oficial espalhou o retrato de Getúlio por toda parte, arrancado das paredes quando Dutra alcançou o governo.

As ditaduras proibiam rigorosamente as críticas safadas das músicas carnavalescas. Só admitiam composições elogiosas. Os compositores tiveram que viver de outros temas.

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Voltando à vaca fria, não acredito em URUCUBACA, mesmo que o tema tenha enricado a crendice e a superstição do povo.

 
A. Tito Filho, 27/07/1990, Jornal O Dia

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