Quer ler este texto em PDF?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

FUNCIONÁRIO

O funcionalismo público das diversas esferas do Poder no Brasil tem atravessado fases distintas. Deixemos de parte a Colônia, o Império, a chamada República Velha e vejamos o assunto nos tempos que sucederam o movimento que derribou do poder o presidente Washington Luís, a revolução de 1930. Os quadros de serviços administrativos, organizados com número fixado de titulares, eram rigorosamente observados. De vez em quando realizavam-se concursos sérios para preenchimento de vagas. Difícil, nas repartições, que se encontrasse funcionário para escovar urubu, à espera de que os ponteiros marcassem o horário de saída. Realizavam-se dois expedientes. Raras vezes se concediam licenças. No Brasil, porém, a seriedade das leis e dos regulamentos dura pouco. De principio, admitiu-se a interinidade, e dentro em pouco havia mais interinos do que efetivos. Inventaram-se quadros de extranumerários e de servidores extraordinários. Iniciou-se o abarrotamento dos órgãos governamentais. Inventaram-se maneiras de cortejar fêmeas de bonitos predicados físicos. Sim, as mulheres começaram a povoar os órgãos administrativos. Criaram-se autarquias e seguidamente as estatais se estabeleceram. Aboliu-se o concurso. Outras modalidades remuneratórias surgiram, como o pagamento por serviços prestados e o contrato pela Consolidação das Leis do Trabalho, e logo uma legião de celetistas nasceu por todos os cantos e recantos das áreas do governo nos domínios federal, estadual e municipal, autárquico e das empresas estatais. Inchou o funcionalismo público brasileiro, que nos dias que correm não se sabe a quanto chega. Deixou-se de trabalhar. As mulheres se dedicaram a retocar a pintura ou executar trabalho de crochê ou tricô. Breve a fértil imaginação de chefes e subalternos, para melhores ganhos, idealizou e concretizou a prebenda da disposição. O servidor de um organismo passou a servir em outro, com percepção de vencimentos pelos dois. O fato tornou-se uma lucrativa indústria, nos mais variados setores da vida pública. Instituíram-se inúmeros tipos de licença, e proliferam servidores licenciados com base em múltiplos favores legais. As proteções políticas de 1946 a esta parte do calendário nacional entupiram repartições a tal ponto que em alguns setores existem turmas de revezamento: uma turma de cem servidores trabalha num dia, no outro dia espairece, substituída por outros cem que folgam no dia de servi-lo dos primeiros. Chegaria a vez dos feriadões, três ou quatros dias da semana em que o Brasil fecha o serviço público. O soçaite vive à tripa forra. Gente de político bem sucedido, de titular de função importante, de empresário farto de lucros, esposa, mãe, mora, genro, filho, obtém polpudos empregos. O grosso modo do funcionalismo público está constituído de mocinhas e rapazolas de classe média e operária, que percebem ordenados irrisórios, que mal cobrem as despesas do pai pobretão na compra de calçados ordinários e roupas de pano ruim. Pois esses milhares de pobres e humildes servidores de vez em quando padecem as conseqüências das medidas de arrocho que os governos adotam para a cobertura dos déficits orçamentários, resultantes das orgias de viagens nababescas e mordomias injustificáveis.

A crise brasileira é antes de tudo moral, mas os pobres barnabés acabam pagando o pato. A politicalha gerou o empreguismo na alta-roda. Madames de maridos ricos, mulheres importantes, de luxos desmedidos percebem gordas sinecuras como funcionarias fantasmas.

Os vícios e as mazelas da máquina administrativa da União e o cortejo de estatais, dos Estados e dos Municípios não decorrem dos barnabés, porém dos maus exemplos de cima, dos poderosos, dos que exploram o brasileiro por todas as formas e modelos.


A. Tito Filho, 29/08/1990, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário