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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

GREVES

O país, não cabe duvidar, encontra-se doente. Insuportáveis as condições de existência dos brasileiros, sem que possam auferir os bens essenciais da vida, a partir da mãe grávida, desnutrida, ao nascimento do menino - sem alimentação, sem assistência, sem os mínimos requisitos de saúde e desenvolvimento para as outras idades da vida. Sofrem operariado e classe média insultos de toda espécie. Essas duas camadas sociais não possuem elementares recursos financeiros para o sustento da constelação familiar. Reproduzem-se diariamente movimentos grevistas. O fato se torna espantoso pois as greves tão excessivas são o retrato negativo da política econômica e das medidas adotadas pelos que por ela são responsáveis. A liberdade constitui bem precioso, mas convém estimá-la no direito elementar e necessário ao bem estar e à felicidade coletiva. Liberdade para o xingamento nos comícios eleitorais, nisto reside a negação da liberdade. A liberdade seria o benefício maior de não passar fome, de morar em casas confortáveis, nunca em tugúrios promíscuos dos conjuntos habitacionais. Estaria em poder cada um educar os filhos. Pretende Dona Zélia Melo que a inflação foi derrotada, o que não é verdade, e o recurso, o remédio heróico, infalível, está na greve. Quando se começou o uso da greve? No momento em que o operariado sentiu o excesso de horas na exploração do empregador. Trabalhava-se normalmente das sete da manhã até a noite. A reunião dos trabalhadores se deu em Paris, na Place de Gréve - e só se voltou ao trabalho depois da humanitária diminuição da jornada no emprego. Que se reivindica hoje com paralisações sucessivas nas empresas públicas e privadas, quando se estagna o funcionamento generalizado até de serviços essenciais à coletividade? Apenas salários mais compatíveis com as necessidades elementares, uma vez que não se acredita mais na possibilidade de viver, somente de vegetar, e mal, com raquíticas e reles pagas mensais aos pobres operários nacionais. E o mal aviltante atinge ainda a classe média à qual pertencem servidores graduados, funcionários públicos, bancários e outros, que grevam pelos motivos dos constantes e inexplicáveis achatamentos do dinheiro. As greves inacabadas, uma seguida da outra, não têm, no Brasil, objetivos de conquistas sociais no terreno da saúde, pois as filas da assistência oficial são humilhantes; da educação, pois se encontra o ensino do governo, do primeiro grau à universidade, e escorchante o preço dos estabelecimentos particulares; do alimento, que, minuto a minuto, se eleva o custo, por especulação e outras maneiras de ganância dos negociantes; do remédio, cuja fabricação está sob o poder de fabulosos trustes internacionais, do sistema de comunicação de massa através da televisão, dirigida por competentes homens de negocio deformadores da consciência nacional, impondo-se as imagens por interesses internacionais - e o Brasil, de modo subliminar e perverso, aplaude a glorificação de bicheiros e a música barulhenta e vociferante do roquenrol.

O operário suspende o trabalho porque está faminto, maltrapilho, desassistido, ao lado da família no mesmo estado de abandono e miséria. As centenas de greves nacionais revelam o quadro espantoso, a paisagem de desordem física e espiritual em que se agitam os trabalhadores brasileiros.


A. Tito Filho, 30/08/1990, Jornal O Dia

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