Quer ler este texto em PDF?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

SITUAÇÃO

Há países, como a Inglaterra, em que o rádio e a televisão pertencem ao poder público. Proíbe-se que a empresa privada os explore, para que se evite a força econômica a serviço de idéias dos seus proprietários e contrários aos interesses públicos, deformando-se os aspectos mais caros do civismo nacional, como, por exemplo, a linguagem. A tevê, sobretudo tornou-se processo dos mais ativos para a inquietação do home, pela propaganda do luxo supérfluo, do erotismo. A tevê é poderosa via de comunicação, justamente porque se utiliza do som e da imagem. Na Brasil inexistem programas educativos, porque eles não têm audiência nem rendem do ponto de vista comercial. O noticiário abundante está nos assassinatos bárbaros, na perversidade dos seqüestros, nos dramas dos sem-teto, na terrível matança urbana praticada pelos justiceiros, nos assaltos de rendas milionárias, no comércio da droga, no drama das greves dos famintos. Relegam-se a plano secundário as datas patrióticas da nação. Tiradentes vale um ilustre desconhecido do povo brasileiro e do protomártir corajoso apenas os policiais militares homenageiam a memória, lembrando a glória do alferes seu patrono. Euclides da Cunha ganhou as telas televisivas por causa da tragédia em que se envolveu, jamais por razão de ter dado novos rumos aos estudos sociais brasileiros. Uma estação de tevê faz pouco tempo ganhou milhões exibindo cenas de uma triste história passional, em que o grande escritor aparece como um tipo grosseiro, nervoso, quando Euclides sempre teve gestos de coragem e no trato com a família e os amigos sempre de exemplar maneiras, até quando a esposa, de sexo anormal, em amores clandestinos com um jovem de 17 anos, caso de inversão sexual, pois a mulher andava pelo dobro - criou, de modo leviano, numa época de severos costumes familiares, um Euclides sem rumo e sem norte, disposto em determinada hora a lavar a honra do lar ultrajado. Ana de Assis era feia, um tanto gorducha, mas arrancava furores de um jovem virgem em matéria feminina. A televisão enganou a ignorância nacional, colocando no lugar da adultera a magnífica Vera Fischer. Como sempre o material predileto da tevê brasileira está na exploração do erotismo, nas novelas de conteúdo passional e emocional. No mais, violência por cima de violência, na exibição de um País doente no seu organismo moral, social e espiritual.

Na verdade, o Brasil destes dias cruciais corresponde a um Brasil de problemas cada vez mais intensos. Avolumam-se as crises. Multiplicam-se os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa. Mata-se por qualquer motivo. As classes nababescas vivem do fútil e da estroinice. Os assalariados padecem a pior de todas as afrontas: a fome endêmica. Dois meses antes de assumir o atual presidente da República, a indústria e o comércio,d e mão dadas, subiam todo dia o preço das mais variadas necessidades do homem como se se prevenissem contra o possível tabelamento de preços na administração que se inaugurava. Assim, o regime inflacionário jamais chegou a zero, como na propaganda oficial, pois os preços de 15 de março estavam aumentados como prevenção contra o regime Collor.

Que se está fazendo da cultura e da educação? Na área cultural, as entidades por ela responsáveis perderam os seus melhores servidores, demitidos por via simplesmente numérica, como se assim fosse possível efetivar qualquer tipo de reforma administrativa. Na área educacional, o ensino público e privado, faz que os verdadeiros mestres busquem atividades com que suportem a vida, no seu cortejo incontável de angústias, e que outros mestres se improvisem num verdadeiro antimagistério. E observe-se que no Brasil pouco ou quase nada se ensina, e circunstância mais aberrante: colégios e universidades nenhum gesto adotam para que o homem se eduque.

A nação precisa de paz, de encontrar caminhos para a tranqüilidade dos brasileiros doentes, de hospitais fechados, famintos, esquálidos, habitando imensas favelas. No Brasil o que menos se respeita é a vida do semelhante. Por quê? Porque dói tanto padecimento de milhões e a riqueza cartorial, a roubalheira dos dinheiros públicos, a impunidade dos colarinhos-brancos, a existência faustosa e irresponsável de poucos, dos protegidos e apadrinhados.

E quando mais se necessita de que a violência seja varrida, novas vítimas se fabricam, com a famosa reforma administrativa, que se baseia, exclusivamente no critério das demissões. Milhares de servidores desempregados. Mais vítimas cujo caminho está na adesão à violência. Se as nomeações foram desnecessárias, para a satisfação de interesses da parentela ou da politicagem, por que não se punem os autores das ilegalidades?


A. Tito Filho, 18/07/1990, Jornal O Dia

Nenhum comentário:

Postar um comentário