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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A OUTRA TRAGÉDIA

Naquele tempo eu dirigia o velho e querido Liceu Piauiense, hoje Colégio Estadual Zacarias de Góis. Tempo das férias de julho, o descanso necessário e benfazejo depois das árduas atividades do magistério. Tomei o DC-3 da Cruzeiro do Sul, de duas hélices, que saia de Teresina manhãzinha ainda e pousava no Aeroporto Santos Dumont, do Rio, pelas 5 ou 6 horas da tarde. Viagem chata, enfadonha, por Bom Jesus da Lapa e Salvador, na Bahia, Montes Claros, em minas, Vitória do Espírito Santo. Uns cinco dias depois, correndo a longa Via Dutra, asfaltada, a estrada mais famosa do Brasil nesses tempos de calmaria republicana. No dia seguinte ao da chegada à capital paulista, num dos jornais encontrei a notícia dramática, a do choque de veículos na estrada Teresina-Altos, com a morte de muita gente.

Quando regressei a esta cidade do meu xodó, conheci os pormenores da tragédia que me foi contada pelo saudoso amigo José Vieira Chaves.

Era um sábado, dia 13 de julho de 1957. Manhã e tarde tranqüilas nesta Chapada do Corisco. Pouco movimento de carro, pois havia poucos carros. Ainda estava distante o sistema de financiamento, para liquidar mais ainda a depauperada classe média. Bares e botecos, como de costume, com os seus costumeiros fregueses de cerveja e aperitivos. Adolescentes e moços em férias escolares. Os namorados já se preparavam para as sessões cinematográficas no 4 de Setembro e no Rex. Nada perturbava a calmíssima Teresina de trinta anos atrás. O sol já tinha morrido, quando chegou a notícia da tragédia espantosa: pavoroso choque de veículos na estrada de Altos, na distância de trinta e seis quilômetros desta capital. Comentava-se que mais de vinte morreram no local e era impressionante o número de feridos. Pouco tempo depois, o Hospital Getúlio Vargas se transformava numa hospedaria de dores e de angústias, de lágrimas e de desespero. A multidão ali estava, aturdida, emocionada, comovida, comungando o sofrimento das vítimas e seus familiares.

As notícias começaram a chegar. O ônibus MARIMBÁ, de propriedade de Joca Lopes (João de Deus Lopes), vinha de Parnaíba. Viagem normal. Depois de Altos, uns cinco ou seis quilômetros da cidade, no rumo de Teresina, houve o choque formidável com um caminhão Ford, carregado de carvão e madeira, de propriedade de José Cândido Porto - e o local se transformou em cenário dantesco. Mais de duas dezenas de mortos, uns vinte feridos. A tragédia enlutaria muitas famílias, de Teresina, de cidades interioranas e ainda de outras cidades brasileiras.

A estrada de Teresina a Altos não era asfaltada, como hoje, mas de piçarra.

Tempo de verão, os carros em trânsito produziam nuvens de poeira avermelhada, que não permitiam visibilidade aos motoristas que viajavam no mesmo sentido. O pó cobria tudo.

Daqui para Altos seguiam dois veículos. Pequena a distância entre os dois.

Natural que o chofer do carro de trás, para se ver livre da terrível poeira, procurasse ultrapassar o carro da frente. Muitas vezes o motorista do que ia na frente tudo fazia para que o colega não conseguisse cortar a proa, como se diz, justamente com a finalidade de não ficar em situação desvantajosa, passando a vítima do pó infernal.

Essa estrada de Teresina a Altos era um tanto estreita. Os dois carros prosseguiam. O da frente desviou-se um pouco para a direita. Era natural. Em sentido contrário vinha o MARIMBÁ. E o motorista do veículo que ia para Altos deu com o carro para a direita, possibilitando, assim, a passagem tranqüila do ônibus. Mas o motorista do caminhão de madeira, que ia recebendo a importuna poeira do outro, entendeu que o colega estava abrindo terreno para a ultrapassagem. E, sem visibilidade, meteu o caminhão pela esquerda, no justo momento em que o MARIMBÁ emparelhava com o primeiro. Impossível evitar a tragédia assombrosa.

No choque faleceram 22 pessoas. Mais quatro se despediram da vida depois de hospitalizados no Getulio Vargas.

A 4 de setembro de 1958, as mesmas causas provocaram o pavoroso desastre que matou Demerval Lobão Veras e Marcos Santos Parente, candidatos a governador e senador, respectivamente, além de outras personalidades.

O homem criou a máquina. A máquina destrói o homem.


A. Tito Filho, 15/07/1990, Jornal O Dia

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