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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

VIOLÊNCIA

Jornais, rádios, televisões vivem hoje do noticiário da violência, e cada época teve o seu tipo de violência, na Roma dos Césares como no Itararé de Teresina. Adolescente, morei em Teresina e na mocidade passei uns oito anos fora daqui, em Fortaleza e Rio. Andava pelas ruas sozinho, de madrugada, e jamais encontrei quem me assaltasse.

Ainda em 1970, passei a residir no distante bairro de São Cristovão da capital piauiense. Haroldo Borges me havia conseguido um carro velho, marca Esplanada, com uma das vendedoras de veículos. Às vezes o automóvel me deixava na rua, noite grande, e eu retornava a casa com os pés da locomoção própria. Vendi a porcaria por umas patacas. Pouquíssimos ônibus. Eu fazia um programa de rádio na Difusora das 22 às 23 horas e caminhava o longo percurso de retorno ao lar. Jamais encontrei quem me filasse um cigarro.

Não desconhecia a violência política do submundo ditatorial. Li-a em livros que se tornaram célebres. Os porões da ditadura de Vargas, com o bárbaro Filinto Muller, guardam cadáveres, homens mutilados, baixezas sem conta de uma polícia treinada para impor sofrimento ao semelhante. O nosso Celso Pinheiro Filho apanhou tanto nesses subterrâneos de crimes animalescos que perdeu o uso das pernas. Assassinos perversos.

Chegaria 1964. De novo a sangueira nojenta de certas autoridades de lama. Mataram-se jornalistas e operários. Era a sanha do eunuguismo moral.

As práticas da violência, porém, se escondiam. As vítimas desapareciam simplesmente, e os carrascos infames se intitulavam salvadores da pátria amada. Mas a violência chegaria, como chegou, a ser praticada à luz do sol, à boca da noite, a qualquer momento. O reino atual da vingança contra os que se tornaram surdos aos clamores dos perseguidos, dos injustiçados, dos que a política nefasta abandona de modo desumano.

Contra quem se pratica hoje a violência? Contra os engravatados que roubam às escâncaras, contra os que, munidos de prestígio político, tomam a propriedade alheia, estupram pobres mocinhas interioranas, enganam, ludibriam, demitem, negam a cada um o que é seu. Vivem na opulência, ganham milhões diariamente, humilham, riem da miséria alheia, num soçaite fútil e ocioso. Quem está padecendo a violência? O empresariado sem alma, orgulhoso, cheio de empáfia, ignorante, que esquece os deveres sociais e a pregação cristã dos papas e cada vez mais se enternecem da dinheirama mal adquirida.

Observe-se o seqüestro. Sou contra o processo, sobretudo quando se submete o seqüestrado a vexames físicos, morais e psicológicos. Para adquirir a liberdade, quanto paga esse tipo de refém pelo dinheiro pedido? Milhões em dólares. Donde vem essa quantia? Das burras abarrotadas de pelegas estrangeiras fornecidas pelo Banco Central do Brasil.

E jornais, rádios, televisões, quando se liberta o indivíduo, sustentam a propaganda do HERÓI pelo menos durante uma semana.

Faz poucos dias, seqüestraram um garotinho. Os seqüestradores pediram até pouco, uns 500 mil doentes. A mãe do menino fez apelo, não tinha dinheiro, implorou a devolução do filho. Nenhum empresário de milhões se mexeu para ajudá-la.

Só se vê violência no seqüestro dos biliardários. Sim. E a violência da fome de milhões, dos milhões sem teto, dos milhões de analfabetos, dos milhões de doentes sem socorro, dos milhões de menores abandonados, dos milhões de esfarrapados, rotos e maltrapilhos?


A. Tito Filho, 25/07/1990, Jornal O Dia

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