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sábado, 17 de dezembro de 2011

FESTAS

Dezembro, último mês de 1989. Natal. Na gruta de Belém na Jordânia, deu-se o mistério que Maria tinha no seio, um mistério de amor. Nenhuma festa tem o esplendor da que comemora a vinda do Messias ao mundo. A missa do galo e a confraternização familiar emprestavam ao quadro natalino sem igual. Tudo simples, singelo, para as comemorações espirituais de homens e mulheres, na contagiante alegria de todos. O padre Raimundo José Airemorais, com autoridade irrecusável, sustentou: "Hoje, infelizmente, o Natal está de alguma maneira se esvaziando no sentido de que o conteúdo central do Natal não é mais percebido nem mesmo celebrado pela grande maioria do povo. hoje em dia se faz do Natal uma espécie de pretexto e de ocasião para se buscar outros interesses, sobretudo no mundo do consumismo. O Natal de hoje  é uma propaganda".

Acentua o brilhante mestre que o Natal se tornou esbanjamento, fato nitidamente pagão.

A véspera do ano-novo também se festejava de modo decente e memorável. Os clubes promoviam bailes que se prolongavam até pela madrugada, num ambiente de respeito e cavalheirismo, na chamada alta-roda como na classe média.

Um encanto as festividades de Natal e Ano-Novo de anos atrás. Tempos inesquecíveis.

Hoje, essas duas grandes datas são exploradas por um sistema industrial e comercial sem entranhas. Durante semanas televisões e rádios azucrinam a coletividade em propagandas malsãs que oferecem as mais diversas modalidades de objetos para presentes, sobrecarregando sobretudo os raquíticos ordenados dos pobres, num país como o Brasil, devedor de somas fantásticas aos banqueiros internacionais, de baixa renda dos cidadãos, analfabetismo, habitação desumana, fome endêmica, desemprego e subemprego. Desmanda-se a burguesia nos dinheiros fáceis, obtidos por caminhos quase sempre desonestos. Promovem-se farras e esbanja-se dinheiro numa festa dividida entre poucos riquérrimos e milhões de misérrimos, num tripúdio revoltante sobre a desgraça nacional.

Na passagem de 1988 para 1989, a ganância de alguns fez que um barco naufragasse com o sacrifício de cinqüenta e cinco pessoas. Nada se sabe sobre a punição dos responsáveis pela tragédia. Se fossem pobres, os criminosos já se encontravam atrás das grandes.

Em Teresina, cidade de miséria quase absoluta, em que se abrigam muitos milhares de sofredores que abandonaram o campo por absoluta falta de condições de vida e, incentivando a megalópole, passam fome e morrem debaixo das pontes - na capital piauiense o soçaite ocioso dissipou milhões de cruzados, no afogamento das uiscadas, nos arrotos fartos provocados pela comida sofisticada. Ninguém se preocupou com as aflições dos pequenos, e todos estiveram indiferentes a penúria dos assalariados. Condenável desperdício. Imperou a estroinice. Num dos hotéis para milionários, deu-se uma festança afrontosa, farra grossa, num requinte de gozação de milionários. Para a noitada vendeu-se o ingresso por mil e duzentos cruzeiros novos, um salário mínimo dos infelizes que mourejam de sol a sol.

O cenário dos gastos nababescos com a embriaguez e as farturas das mesas, num requinte de insensibilidade, jamais seria conveniente à eclosão do mistério que Maria tinha no seio. Por esta razão o Evangelho diz que não havia lugar para eles na estalagem. José escolheu o silêncio e a humildade para o último toque no quadro vivo do Natal.

O Natal do Cristo, nos dias de hoje, bem acentua o padre Raimundo José, é fabricado pelos grandes meios de comunicação, em busca do lucro desmedido, na adoção de uma publicidade para o supérfluo, a fim de que a bolsa do pobre emagreça ainda mais.


A. Tito Filho, 20/01/1990, Jornal O Dia

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